quinta-feira, 1 de maio de 2014

A POESIA É A PÉROLA DO SENTIMENTO

Francisco Miguel de Moura*

      Poesia é a essência do sentimento, em qualquer tipo de arte.  Poderia, neste artigo, cingir-me apenas ao teórico.  Mas, como vivo no meio intelectual - a Academia é um deles – abordo, em primeiro lugar, o esquecimento, pra não dizer o desvalor a que vem ficando relegada a poesia. Ora, o mundo da poesia é um mundo limpo e inocente, onde as soluções não ficam à mostra e as nossas perguntas não são recusadas nem respondidas de pronto. Fala-se na ciência, na história, na política, mas a poesia não é apresentada como valor, sequer como problema. Por quê? Talvez porque o plano da poesia é de um mundo de sofrimento, amor e dor; e também, por incrível, da organização do caos pela palavra concebida no seu valor mais fundo. É essa palavra que se faz ação. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus” (João, 1:1). 

     Será por causa da anulação deste princípio que a sociedade se tornou vazia, vã? E a luta se cumpre apenas ao alcance do superficial utilitarismo e das ações aéticas, desumanizadas? 

    O mundo é representado pela linguagem. Se não se tem vontade de dizer-se ou uma forma de expressar-se, ninguém é, nada é. “O que se quer e o que se faz são uma e a mesma coisa, vistos porém de perspectivas diferentes. Da mesma forma como nos homens, a vontade seria o princípio fundamental da natureza. (...) Na arte, a relação entre a vontade e a representação inverte-se, a inteligência passa a uma posição superior e assiste à história de sua própria vontade; em outros termos, a inteligência deixa de ser atriz para ser expectadora”, segundo o filósofo Artur Schopenhauer.  É a crítica e a autocrítica. Crítica no sentido em que “viver é sofrer” e autocrítica pela capacidade que a inteligência tem de julgar e julgar-se.   Mas ninguém tem a capacidade de dizer-se, nem sabemos como nos desdizer. Somos realidades éticas não ditadas por leis ou mandamentos, mas pela vontade – que é a verdade. Assim vem o “lutar com a palavra / é a luta mais vã / no entanto lutamos / mal rompe a manhã”, do Drummond. O poeta não consegue dizer tudo. O sentimento final é o de que nos tenhamos anulado. E mais nenhum sentimento nos batesse, nem o coração nem os olhos. E o ouvido silenciado, tanto o de dentro, quanto o de fora do contínuo ruidoso mundo. Aí perderíamos toda a originalidade de sermos apenas um, o grande um. O poeta é, sobretudo, a diversidade e a discrepância, a diferença para acordar-se e acordar o mundo, hoje, quando os deuses desapareceram da face do céu e ainda não chegaram à terra. Quantos milhares de homens não reconhecem Jesus, aquele que antecipa em milhares de anos, a palavra de Deus, segundo sentiu Dante, na “Divina Comédia”! 
             “Subi ao céu que mais a luz recebe
                 do infinito, e vi coisas tais, que embalde 
                    tentará repetir quem de lá volte”. 
     Claro, Dante considerava que Cristo ao ressuscitar, transpôs o tempo e ascendeu ao absoluto, onde todos falam um único idioma na paradoxal permanência de suas expressões peculiares, onde não há mais presente, passado nem futuro.

    Poderia falar nos movimentos poéticos, do classicismo ao moderno e modernoso. Mas para quê? Todos os modismos passam, o que não passa é a poesia. A poesia é divina. Quando falei, uma vez, em sessão da Academia, que os livros da Bíblia foram escritos em versos (versículos), portanto em forma poética, houve quem me contestasse. Não me incomodei. Sei como a ignorância e as ideologias obscurecem a mente. Ora, a poesia é a voz da criação, linguagem de Deus. E é por isto, talvez, por sua grandeza e simplicidade, que se sobrepõe a todos os gêneros e a todos as espécies de arte. Não ficaremos inertes diante do que acontece hoje em dia: - Não se dar valor àquilo que todos, inconscientemente, usamos e nada custa. A poesia está em tudo, na música, na pintura, no teatro... Pena que os jornais e revistas quase a tenham deixado fora de circulação. Mas ela continua navegando pelas peças artísticas de propaganda, na tevê e pelos saites da internete.

    Livros? Por que não se editam mais livros de poemas como antigamente? Retorno ao assunto inicial para afirmar que, não propositadamente, a poesia tem ficado em segundo plano, comparada com o gênero prosa, nos empreendimentos editoriais da Academia Piauiense de Letras. A sua Revista, atualizada na dinâmica gestão do historiador Reginaldo Miranda, quase não publica poemas. Além da Revista, o empreendimento editorial atual da APL, por conta do seu Centenário (a APL foi fundada em 30-12-1917), está sendo realizado em duas etapas: a 1ª, nos anos de preparação da festa do Centenário, que já correm desde o ano passado; e 2ª etapa, no ano da comemoração e possivelmente mais alguns depois da festa. Claro que os poetas, atuais membros da “Casa de Lucídio Freitas” (não vou citá-los) não estão satisfeitos, pois, das 50 obras listadas para publicação, algumas já prontas, apenas 30% (15 obras) são de poesia. Como poeta, não obstante reconheça ser justo editar os escritores falecidos, creio que também seja importante publicar os poetas atuais. É sabido, também, que a Academia Piauiense de Letras não possui recursos financeiros para publicar sequer a sua Revista e que todo esse suporte vem de verbas públicas, através de instituições criadas para o incentivo à cultura. Mas vale a pena, estamos produzindo cultura. Como Monteiro Lobato, ainda cremos que “um país se faz com homens e livros”, pois neles vão parar desde a poesia à história, desde a gramática aos estudos científicos mais avançados.
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*Francisco Miguel de Moura - Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras - Teresina, Piauí-BR,  e da Associação Internacional de Escritores e Artistas - Toledo, Ohio - USA

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