sábado, 19 de abril de 2014

CONVERSA COM OS MORTOS E OS VIVOS

             
 Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras

 Lembro-me de alguns amigos mortos (pessoalmente conhecidos). Não poderia deixar de citar, em primeiro lugar, o Des. Thomaz Campelo, falecido nesta Capital, ontem (14-4-2014), com 88 anos. Nascido em 06-01-1926, em Pedro II-PI, foi magistrado e professor, membro da Academia de Letras do Vale do Longá, da qual foi presidente.  Sócio também da UBE - União Brasileira de Escritores, e vinha dirigindo a entidade, em mandatos sucessivos, até a sua morte. Publicou a revista da UBE, além de outras iniciativas. Individualmente deixou vários artigos em jornais e revistas. No jornal “O Dia”, mantinha uma coluna exclusiva para os sócios da entidade. Deixa, assim, uma grande lacuna. Não era grande conversador, mas um bom ouvinte. Homem sério, bom leitor, amigo dos amigos. Estava presente em quase todas as reuniões da Academia Piauiense de Letras, onde era recebido com carinho e respeito, mantendo um bom círculo de amizades.  “Perder um amigo” é uma forma comum de dizer: Não o perdemos. Ele voou para outra esfera, onde deve ter sido bem recebido, na sua postura humana de humildade e cordialidade. Os mortos nos falam silenciosamente por lembranças inapagáveis, além de nas orações dos religiosos. 

A dificuldade de manter-se, hoje, uma conversa é com os vivos. Estejam em qualquer lugar, o individualismo os domina e despersonaliza. Totalmente centrados em si mesmos, não têm condição de ver e ouvir o outro. Quando se sentam a uma mesa de bar ou restaurante, normalmente pegam o moderno celular e começam a telefonar, ler mensagens, ver fotos, internete... Cada um isolado, no seu canto. Para mim, esses são mortos-vivos.

Voltando aos que já se foram desta vida, quando eu morava em Salvador, uma noite, visitou-nos o escritor Eduardo Maffei (acompanhado de dona Guiomar, sua esposa). Grande conversador, chegou a nossa casa e tomou a liberdade de virar a frente do aparelho de tevê para a parede e dizer-nos:

    - Agora, amigos Chico e Mécia, não quero ver televisão, quero conversar com vocês.

Dizia-me, sempre, sempre, o jornalista e filósofo Maffei:

 - “CHICO, UMA MESA NÃO SERVE APENAS PARA REFEIÇÕES OU MESMO PARA UMA COMEMORAÇÃO COM BEBIDAS, VIVAS E BRINDES À SAÚDE DE ALGUÉM OU DE TODOS... A MESA SERVE TAMBÉM E MUITO PARA SE CONVERSAR”
.    
Belos tempos, aqueles em que morei em a Salvador, uma temporada de três anos, onde meus filhos faziam estudos universitários e eu tentava fazer minha pós-graduação! Logo que cheguei, só possuía um amigo, o poeta Damário da Cruz, com quem discutia poesia e outras “mumunhas”. Ele nos levava (eu e Mécia), com sua namorada, a vários lugares da cidade: Um perfeito cicerone. Depois conheci o arquiteto e pintor Lopes d’Almeida, português, que nos levou ao Clube da colônia de portugueses de Salvador, onde me surgiu o convite para fazer palestras no Gabinete Português de Leitura. Foram duas e o lançamento de um livro. Saiu notícia dos acontecimentos no jornal “A Tarde”. Depois, eu e Lopes d’Almeida andamos em “tournée” literária pelo interior do Recôncavo. D’Almeida era bom conversador, tomávamos cerveja juntos, almoçávamos muitas vezes juntos. 

Não sei por que tenho poucos amigos e muitos conhecidos. Sou uma pessoa plural: Se o assunto é política, economia, sociedade, mudanças sociais, filosofia, religião, artes, dou os meus “pitacos”. Mas também sei ouvir. Difícil é encontrar quem saiba ouvir, quem queira ouvir-nos. Quando quero conversar mais livre, saio por aí e vou “esbarrar” no Mercado Velho de Teresina; ou em Timon, cidade onde também já morei, por algum tempo. No Mercado, a gente encontra pessoas simples, sinceras, alegres apesar da pobreza, humildes e boas. Para reforçar a metáfora, como diria Fontes Ibiapina, “gente humana”. Não é fácil. Diante da violência que corre os quatro cantos do mundo, atualmente, é difícil abordar-se um desconhecido. “O medo”, dizem que “não é bom companheiro”, pode nos levar à paranóia. 

         É difícil, sim, o diálogo do novo tempo, repito. Ouvir discursos não satisfaz a necessidade do diálogo. Na escola, o comum é o “magister dixit”. Também não há diálogo. Os cientistas de hoje dizem que, enquanto as turmas escolares se reunirem para estudo em forma de “UM ATRÁS DO OUTRO, TODOS OUVINDO O PROFESSOR”, não haverá progresso. O circulo dá mais uma idéia de liberdade e comunicação, os participantes terão possibilidades do diálogo. Inacreditável é que, nessa área, há quem pregue uma novíssima escola - maravilha da civilização humana – generalizando os cursos pela tevê e computador. Desaparecem, assim, as figuras do mestre e dos colegas. Aí, chegamos à estupidez dessa cultura teleguiada, onde somente ela sabe tudo (ou não sabe nada): Mandar todos e todas à internete, ponto e pronto, é o mesmo que mandar “plantar batatas no lajedo quente” – citando o verso do saudoso poeta Lourenço Campos, de Picos – Piauí.
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Ilustração: A foto que ilustra este crônica foi capturada no Google, em 19-4-2014. FMM.
       

Um comentário:

regina ragazzi disse...

Suas crônicas são sensacionais poeta. Sempre aprendo muito quando venho aqui.Sempre saio com algo para refletir... Abração!!

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