segunda-feira, 30 de julho de 2012

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA - SOBRE O.G.REGO

                                                    ENTREVISTA:
Entrevistadora: Vicência Rozilda Marques
Entrevistado: Francisco Miguel de Moura (Chico Miguel
                                      

 Vicência: Qual é a história do Francisco Miguel de Moura? Onde nasceu? Como foi sua chegada à Academia Piauiense de Letras? E a formação acadêmica? Como surgiu o escritor e literato? Como foi o processo até lá?
Francisco Miguel: Eu cheguei à Academia... Eu vou começar pelo fim... Você começa pelo começo, eu começo pelo fim (risos). Eu comecei... Ah! Você está gravando?
Vicência: Estou sim...
Francisco Miguel: Eu cheguei à Academia Piauiense de Letras pelo meu valor literário, não foi por política, não foi por posses, riqueza. Eu era bancário, do Banco do Brasil, e então pelo o que eu escrevia, pela quantidade de coisas e qualidade do que escrevia e também pelo meu trabalho de, digamos assim, de divulgação da literatura e de convencimento de que era necessária, inclusive nas escolas, já nessa época também. Aliás, eu já tinha... Foi 1990, eu tinha quantos anos? Eu não me lembro, ainda na presidência de Arimathea Tito Filho, quem modernizou a Academia... Mas, como ia dizendo, eu nasci em 1933, 16 de julho de 1933. É só fazer a conta, porque em 1990 eu entro para a Academia, né?  Eu já era bem bom de idade, cinquenta e sete anos. Aliás, eu já tinha me aposentado, já tinha ido fazer meu curso de pós-graduação em Crítica de Arte na Bahia, Salvador, na Universidade Federal de Salvador, na UFBA. Então aí... Eu concluí e fui candidato único.  E ganhei, porque é uma eleição, podia perder se não alcançasse o quórum necessário, né?  E logo após trinta dias da eleição, assumi, de acordo com os estatutos - sempre procurei fazer as coisas de uma maneira que são. Você pode pedir para elastecer o prazo, mas eu não, no primeiro prazo para assumir, trinta dias, eu arrumei tudo, a festa, discurso, tudo, e assumi...
Vicência: Antes de o senhor entrar para a Academia Piauiense de Letras, já tinha publicações. O senhor sempre escreveu muito em jornais, não é isso?...
Francisco Miguel: Em jornais, escrevi muito. Cheguei a Teresina, em 1964. Olhe, logo comecei, agora sim, vamos voltar ao começo... É, eu... não sei dizer nem quando comecei a escrever, mas...Eu era professor de Letras, ensinava a ler e a escrever às crianças - que era a profissão do meu pai e ele me botou para fazer isso também. Assim... Em casa de família, porque, naquele tempo, escolas do governo não existiam, escolas públicas eram difíceis, não é? Existiam poucas escolas do governo... E quando existia uma, não prestava. Então, eu ia lecionar e nesse tempo já gostava muito de ler... Desde os 14 anos, desde que aprendi a ler eu já gostava de poesia, recitar poesia. Meu pai mandava a gente recitar poesia, pois naquele tempo tinha sabatina e ele era meu professor. Eu estudei o primário com ele, na sabatina, a gente era destacado, indicado para recitar poemas ou para fazer um discurso, fazer qualquer coisa. Eu escolhia sempre recitar, decorava e recitava Olavo Bilac, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, os poetas românticos, sobretudo, e depois vieram Olavo Bilac, Raimundo Correia, etc. Logo mais, fui fazer o ginásio, com 22 anos, entrei no ginásio de Picos - aí eu fui fazer o ginásio em Picos, porque não tive como sair de onde eu morava antes, eu era empregado em uma loja de tecidos, lá em Francisco Santos-PI, onde nasci. Francisco Santos, mas o nome era Jenipapeiro na época, e pertencia ao município de Picos, um município muito grande. Aí não tendo como sair de lá, eu trabalhava em uma loja de tecidos e comecei a escrever uns “poeminhas” num caderno... Escrevi um poema lá em um papel de embrulho, de embrulhar tecido, e dei para um amigo meu que viajava muito para Picos e tinha amizades lá, com os poetas e estudantes. O ginásio tinha começado naquele tempo, e esse poema no papel de embrulho, do jeito que eu fiz foi parar lá no jornal. Publicaram. Aí comecei a publicar noutros jornais. Agora, livro mesmo eu só publiquei em 1966... Foi organizado e editado em 1965 exatamente, mas só lancei em 1966, aqui, quando cheguei já vindo da Bahia, trabalhando no Banco do Brasil. Casado, cheio de filhos, e então me estabeleci em Teresina, e aqui preparei meu primeiro livro “Areias” 1966. Este livro foi comentado até no “Jornal de Letras”, do Rio de Janeiro, pela poetisa Stella Leonardos, que você talvez já tenha ouvido falar. Acho que assim já respondi sua pergunta.

Vicência: Sua formação acadêmica? Qual é? 
Francisco Miguel: Ah! Formação acadêmica? Sim, quando eu fiz o primário com meu pai, como eu disse, aí fui para Picos e fiz o ginásio, tirando sempre o primeiro lugar. O ginásio era pago, mas aí o primeiro lugar era de graça. Eu não tinha emprego, mas logo depois arranjei um emprego. Não tinha emprego, porque tinha deixado meu emprego em Francisco Santos, de vender tecidos, de comerciário, e fui para Picos sem emprego, não é? Logo mais cheguei e arranjei emprego, aliás, um “empregozinho” no Cartório de Registro Civil, depois um outro emprego na Delegacia de Polícia como escrivão, e depois o terceiro emprego foi no Banco do Brasil, através de concurso. Então aí fiquei: vou estudar, não vou... Já tinha 20 e qualquer coisa de anos... Ir para Teresina... Posso, não posso... Tinha uns parentes aqui, mas muito pobres, eu não podia vir. Queria fazer algo, estudar Direito, mas não deu certo. Fiz algo mesmo em Picos, pois foi criada a Escola de Comércio e aí fiz o Curso de Contabilidade, que corresponde ao segundo grau, e vim para Teresina. Aliás, vim pra Teresina não, fui direto para o interior da Bahia como funcionário do Banco do Brasil. Lá também era uma cidadezinha do interior, não tinha muito o que fazer ou estudar... Mas li muito durante esse tempo. Voltei pro Piauí, agora para Teresina e logo que cheguei a Teresina ingressei na Faculdade Católica de Filosofia do Piauí.  A Universidade que estava sendo criada. Quando eu estava terminando o Curso, a Faculdade já se integrara à Universidade. Meu diploma já é da UFPI.

Vicência: E qual era o Curso?
Francisco Miguel: De Letras. Primeiramente havia História, Filosofia... Eram quatro cursos: História, Geografia, Letras e Filosofia, mas eu escolhi Letras. A essa altura quando eu fiz o vestibular, logo que cheguei a Teresina, publiquei o meu livro “Areias”, 1966. Ainda não tinha curso superior... Não tinha curso superior nenhum, mas, quando eu fiz a Faculdade eu já tinha um livro, e lá treinei muitas matérias, como se sabe, e deu na publicação de Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho, em 1972, que foi escrito lá na Faculdade Católica de Filosofia, de noite, quando eu chegava de madrugada... De manhã ia trabalhar no Banco do Brasil. Da meia-noite até de madrugada ia escrever, entendeu?

Vicência: Entendi...
Francisco Miguel: Agora está respondida a primeira?

Vicência: Está respondida, sim.
Francisco Miguel: Bem grande!

Vicência: Mas, a intenção era essa...Em muitos de seus textos, inclusive em seu discurso de lançamento do seu livro, Menino quase perdido, 2009, o senhor enfatiza sua ligação pessoal e intelectual com O. G. Rêgo de Carvalho. Como esse contato, nessas duas dimensões, se construiu? (Entre o senhor como amigo dele e literato)?
Francisco Miguel: Eu acho que não foi no “Menino quase perdido” foi?!
Vicência: Não, no lançamento do livro...
Francisco Miguel: Ah!... no lançamento...
Vicência: ... No seu discurso... no seu discurso o senhor ressalta...
Francisco Miguel: Aí eu fiz uma aproximação porque o O. G. Rego de Carvalho escreveu... como é a pergunta mesmo?
Vicência: É... como o senhor enfatiza sua ligação pessoal com o intelectual O.G. Rego de Carvalho. Como esse contato, nessas duas dimensões, se construiu?
Francisco Miguel: Ah... certo. Bom, aí é o seguinte... O. G. Rêgo de Carvalho, funcionário do Banco do Brasil; e eu, funcionário do Banco do Brasil. Chegamos a Teresina ao mesmo tempo, mais ou menos. Quando eu cheguei, vindo da Bahia para Teresina, eu não conhecia O. G. Rego. Ele chegou depois mesmo, porque ele estava doente, parece que estava em tratamento e depois foi que assumiu o cargo. Eu assumi primeiro que ele, na Agência de Teresina... Mas, aí, os amigos aqui de Teresina me deram “Ulisses entre o amor e a morte” para eu ler. Sabe... O melhor escritor... Eu gostava, estava sempre procurando livros bons dos escritores, saber quem era. Promover, meu negócio era promover a literatura. Entendeu?!  Era só literatura, eu não tenho outro negócio, não tenho outra coisa na cabeça. E assim, que seja permanente, são somente a literatura e a família, porque é o que a gente constrói na vida.

Vicência: Então a ligação de vocês começou com o livro “Ulisses entre o amor e a morte”?
Francisco Miguel: Sim, foi o “Ulisses entre o amor e a morte” sem eu conhecer o autor pessoalmente. Depois ele assumiu o cargo no banco e eu conheci o autor, então nos tornamos colegas, nos tornamos muito amigos e o O.G. Rego é uma cabeça excelente, uma inteligência formidável. Tinha problemas, mas tomava remédios para a doença que ele sentia, tá! Talvez hereditária. E a gente conversava muito e eu recebi dele muitas lições, porque sempre fui uma pessoa muito observadora daquilo que eu quero.  É eu ver uma pessoa e interessar-me em conhecer aquela pessoa para ouvi-la e interpretar todas as palavras, até o pensamento... Eu chego ali e fico escutando, tenho um pouco de psicólogo ou talvez muito.

Vicência: Como era o O. G. Rêgo como funcionário do Banco do Brasil?
Francisco Miguel: Tranqüilo!  Ele era tranqüilo, os colegas o tratavam muito bem, era até um conselheiro. Tinha seus problemas de saúde muito bem controlados, trabalhava normalmente, e, talvez por isto, sempre colocado em lugar mais calmo, porém de destaque. Eu não tinha doença nenhuma, hoje já tenho, mas... Eu era indicado para serviços maiores... Mas a gente sempre se encontrava... A gente se via diariamente e aí aconteceu que eu construí uma casa quase ao mesmo tempo em que o O.G. Rego construiu construiu a dele. Coincidentemente, nossas casas eram de frente uma com a outra, na rua 13 de Maio. Então, nós nunca deixamos de ser amigos e como eu lhe falei, em 1971/2, ainda na Faculdade eu escrevi o livro “Linguagem e comunicação em O.G. Rego de Carvalho”. Ele já tinha lido os outros livros que eu tinha lhe dado. Eu havia lido os outros livros dele, lido e estudado. Estudado assim por minha conta, porque, nesse tempo, na Faculdade, nós fomos quem começamos a dizer assim: - “Vamos estudar os autores da terra piauiense”, porque ficávamos só estudando os de fora... Aí a professora Maria Figueiredo disse: “Pois está bom, vocês escolham aí um...” E eu escolhi logo o O.G. Rego de Carvalho e lá fiz o trabalho. A partir desse pequeno trabalho escolar, mostrado a ele naturalmente, O. G. Rego interessou-se muito, me forneceu alguma coisa dos seus guardados, cartas e artigos, e terminou me ajudando na publicação. Digo assim, no sentido em que, nesse tempo outro piauiense, lá do Rio de Janeiro, Álvaro Pacheco, poeta, também você conhece, tinha uma editora e publicou o livro. Então, praticamente, esse livro foi bem difundido, bem divulgado, do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul e mais noutras partes do país. E foi distribuído pela editora do Rio, por isto e por outras (meu trabalho dos jornais aqui, minha comunicação com os escritores do sul), eu me tornei um crítico nacional, digamos assim, logo de início. Eu era poeta, mas me saí primeiro como crítico diante do grande público. E você vem falar de literatura, agora pronto... você vai ver....

Vicência: (diz, aponta para a estante de livros do entrevistado): Ali são só seus artigos, e aquele livro em cima da mesa, seu Francisco?
Francisco Miguel: São, juro... Só umas poesiazinhas inéditas, encadernadas. Lá em cima tem muita coisa “de mim e sobre mim”. Veja o tamanho de cada volume: cartas, ensaios, artigos, recortes, entrevistas...

Vicência: Olhe seu Francisco, isso é fonte de pesquisa. O senhor deveria divulgar.
Francisco Miguel: Como é que vou divulgar? Vocês, professores, jornalistas, historiadores, que divulguem...

Vicência: Sei lá... A biblioteca está disponível para pesquisa?
Francisco Miguel: Mas eu também estou disponível! Tudo.

Vicência: Ah! Eu posso vir aqui, pesquisar, então, olhar esse material aí?
Francisco Miguel: Pode!

Vicência: Posso?! Uma vez eu me ofereci para vir.
Francisco Miguel: Inclusive você pode pesquisar até sobre minha vida toda que está aí.

Vicência: Porque muita coisa a gente pesquisa no Arquivo Público, e muitas outras não tem no Arquivo nem na Academia. Aí a gente tem que estar recorrendo aos escritores.
Francisco Miguel: Mas eu quero lhe dizer que minha biblioteca maior, de pesquisa, foi para a “Biblioteca de Francisco Santos - PI”. Cerca de  3.000 livros foram pra lá, livros e documentos. Aqui eu tenho pouca coisa, livros e documentos que são a meu respeito, especialmente. São coisas que escrevi e que falam sobre mim, cartas que eu recebo, cartas que eu mando (cópias), cartas que eu não mandei, tem um monte de outras coisas.

Vicência: Eu queria ver tais cartas. Queria saber com quem foi tanto que o senhor andou conversando...
Francisco Miguel: Só quando você for escrever minha vida, quando eu tiver morrido... “Sangue e corrupção e medo”, meu artigo de hoje, no jornal “O Dia”, não é literatura, é sobre a vida, sobre o Brasil e o mundo.

Vicência: E seu Francisco, voltando a nossa conversa, como o O.G. Rego era na APL? Era o melhor, como ele era? Ainda comparece às reuniões como membro da Academia Piauiense de Letras?
Francisco Miguel: Ele, O.G. Rego, nunca foi muito de freqüentar a Academia, porque, desde o começo que ele foi eleito, empossado, ele freqüentou algumas vezes, em momentos especiais e poucas reuniões ordinárias. Ele é calado, não faz discursos, não gosta, um tipo amigo e silencioso.

Vicência: Bom, o senhor se tornou não somente um estudioso da obra de O. G. Rêgo de Carvalho, mas um amigo próximo. O que você tem a dizer sobre as crises que o levaram a ter licença para tratamento de saúde? Como se deu o contato de O. G. Rêgo com o então Governador, Alberto Silva, para a mudança do nome do Hospital de Doenças Mentais para “Hospital Areolino de Abreu”?
Francisco Miguel:... Eu acho que o O.G. Rego de Carvalho nunca...  (eu acho!) não tenho certeza se ele contactou com o Alberto Silva, pessoalmente, para solicitar, requerer isto ou aquilo. Tudo era através de críticas pela imprensa...

Vicência: Pois é, ele solicitou pela imprensa, mas aí... Houve o contado dele com o Alberto Silva?
Francisco Miguel: É isso que eu não sei, não tenho certeza... Eu acho que não! Só se foi o Alberto Silva que o procurou, ele não. Entendeu? O. G. Rego não é desse tipo: jamais procura algum governo para pedir nada.
Vicência: E as crises que ele teve, que o levaram a ter a licença de saúde?
Francisco Miguel: As que eu sei?... Teve uma crise muito forte, essa eu não vi, que foi a que o levou o levou ao Hospital. Depois outra menor, que ele próprio pediu à família que o internasse, tão consciente e sábio que é. E passou dois meses no hospital, se tratando. Daí nunca mais foi necessário internamento. Nem deixava de ir ao trabalho. O médico era muito bom, Dr.Wilson Freitas Santos (irmão de Clidenor Freitas Santos – fundador do Meduna). Grande médico, grande psiquiatra! Acompanhava o caso de O. G. Rego de Carvalho, que depois não teve mais crises, tomava remédios em casa, normalmente, e certamente ainda os toma. Ele próprio, O. G. Rego, estudou fundamente o problema e se deu muito bem. Sabe tanto quanto ou mais que o médico.

Vicência: Como esses problemas de saúde de O. G. influenciaram na escrita de seus próprios livros e nos de Francisco Miguel? Como o crítico da época se posicionou acerca disso?
Francisco: Na verdade, toda a escrita do O.G. Rego já estava feita. Depois da doença, não escreveu nada que não fosse um artigo, coisa leve. Respondendo a segunda parte, todo o O.G. Rego de Carvalho influenciou minhas escritas em prosa, eu tenho quatro romances e agora saiu o “Menino quase perdido”. Influenciar é uma coisa... Eu tinha e tenho consciência de que não quero ser um copiador de ninguém.  Mas, na poesia do Piauí principalmente, há um momento muito cruciante (que está terminando, graças a Deus!) em que H. Dobal, grande poeta, foi copiado pela meninada. Os poetas dos anos 1970, inconscientemente, o imitaram, e eu acho isso muito ruim, pois a gente deve aprender com os mestres, nunca imitá-los, no sentido em que cada pessoa é uma pessoa e cada escritor é e deve ser um escritor diferente, original, único, tanto quanto possível.

Vicência: Seu Francisco, a escrita do O.G. Rego de Carvalho, o problema de saúde dele influenciou você, como inspiração, por causa dos romances que ele escreveu?
Francisco Miguel: Creio que isto eu já respondi, mas vamos... Sim e não. Não, porque minha mãe era doente, eu sou de um lugar que esses males eram muito comuns na minha infância. Isso aí já estava na minha vida, não foi nenhum susto pra mim, nada que tivesse sido problema do O.G. Rego. Viu? Não influiu. E sim, influiu apenas na parte formal e pelas lições que ele me deu. E foi muito generoso com o aluno.

Vicência: Seu livro Linguagem e Comunicação em O. G. Rêgo de Carvalho é uma referência para estudiosos da literatura piauiense e brasileira, além de ter sido, como o senhor mesmo enfatizou em seu discurso de lançamento do livro, “o primeiro estudo da obra completa de um piauiense por outro piauiense”. Como a Crítica e O. G. Rêgo de Carvalho recepcionaram o livro?
Francisco Miguel: Desculpe-me, eu me distraí um pouco. Não entendi bem.

Vicência: Como foi que... tanto a crítica literária como O. G. Rêgo de Carvalho recepcionaram o seu livro Linguagem e Comunicação em O. G. Rêgo de Carvalho?
Francisco Miguel: Bem, tem todas as referências aí. Tem um artigo dele aqui, não sei se vou achar, onde ele me elogia, por “Areias” (poemas) e por “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho”. Mas ele (o artigo de O. G.) tá bem ali (aponta a estante)... Vale dizer que eu ainda não tinha publicado crítica em livro, era o primeiro... E eu e ele (O. G. Rego) fomos entrevistados, escreveram-se tantos artigos sobre o meu livro e os romances dele, tanto no Piauí como no Rio (“Jornal do Brasil”) e em outros Estados do Sul, Minas, por exemplo.

Vicência: Seu Francisco, se fosse o caso o senhor...
Francisco Miguel: Só um instantinho... Disse ele, O. G. Rego de Carvalho, que eu estou entre os três maiores poetas piauienses, que, no caso, são Da Costa e Silva, H.Dobal, Francisco Miguel de Moura.

Vicência: Se fosse o caso, o que o senhor modificaria? Alguma coisa no seu livro?
Francisco Miguel: Não, não tem porque mudar.

Vicência: Se ele pedisse na época? Se ele tivesse pedido, se o O.G. Rego tivesse pedido pra mudar alguma coisa?

Francisco Miguel: Ele jamais faria uma coisa dessas, quando ele diz já está dito mesmo. Mas se ele tivesse dito “não publica”, eu não publicaria... Isso tudo foi feito na base da boa crítica, bem fundamentada. O escritor, o bom escritor não, quando faz uma citação sobre livros, sobre poesia, não volta, não se retrata. Pelo menos, até vir uma segunda edição. E a segunda edição de “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, veio depois de 25 anos da primeira, sem nenhuma modificação, pela Editora da Universidade Federal do Piauí. A apresentação (orelha) é de Manoel Paulo Nunes.

Vicência: Ainda em seu discurso de lançamento de Linguagem e Comunicação em O. G. Rêgo de Carvalho, 1ª edição, 1972, Editora Arte Nova, Rio de Janeiro, o senhor também falou que seu desejo era que outros estudos, mesmo que contestassem o que você analisou, pudessem surgir. Tal discurso está no livro de Kenard Kruel, O. G.: Fortuna Crítica. Esse livro conseguiu satisfazer seu desejo?
Francisco Mguel: Qual, o Linguagem e Comunicação?
Vicência: O de Kenard Kruel.
Francisco Miguel: Não, porque não deveria conter algumas coisas ali, mais em respeito à pessoa de O.G. Rego – ainda vivo, graça a Deus - algumas coisas que não ficam muito bem. Mas, afinal de contas, o livro é dele, é ele quem sabe, todo escritor tem liberdade de escrever o que quiser, esta é a grande glória do escritor. Não posso dizer que é um livro perfeito, o do Kenard. Mas é uma boa pesquisa jornalística.

Vicência: O senhor tinha anseios de que outras pessoas escrevessem sobre o O.G. Rego de Carvalho, mas no caso do Kenard Kruel, este não lhe satisfez?
FranciscoMiguel: Não, acho que não. O próprio O.G. Rego disse que sobre o meu livro: “que quem melhor escreveu sobre minha obra foi ele, o poeta Francisco Miguel de Moura”. Então, como é que eu vou desaprová-lo?  Na segunda edição de “Linguagem e Comunicação...” está dito isso. Você ler, quando estiver com um exemplar em mão, bem na contracapa.

Vicência: O que o que faltou na obra “Fortuna Crítica”, de Kenard Kruel? O que o senhor acha que faltou na obra dele pra ter saciado o seu desejo de que outro piauiense escrevesse sobre o O.G. Rego?
Francisco Miguel: Eu acho que algumas coisinhas tinham que ser deixadas de lado, por exemplo, a polêmica com D. Avelar, na época da criação da Faculdade Católica de Filosofia. Não acrescenta nada à obra de O. G. Ele, Kenard, poderia ter dito tudo num jeito que não desagradasse a ele - autor, e ao leitor. O. G. Rego é um dos mais brilhantes estilistas brasileiros, talvez o maior. Eça de Queiroz foi um grande estilista da língua. Mas O. G. Rego é inconfundível. Não há Guimarães Rosa, não tem Clarisse Lispector, etc. O. G. é o grande escritor de poucos livros. Glória do nosso Piauí para o Brasil.

Vicência: Está certo...
Francisco Miguel: Qualquer coisa que tiver dúvida é só procurar.

Vicência: Hardi Filho em "O Novo Livro de Francisco Miguel de Moura", publicado no “Jornal do Piauí”, nos dias 02 e 03 de abril de 1972, fala que tanto seu livro sobre O. G. quanto o próprio O. G. Rêgo são merecedores de reconhecimento. Como era a relação de Hardi Filho com o senhor e com O. G. Rego? Como os três se conheceram?
 Francisco Miguel: Eu, logo que cheguei aqui, procurei os poetas. Assim foi uma coincidência tão grande que o Tarcísio Prado, teatrólogo, não sei se você conhece, também trabalhava no Banco do Brasil, e ele me apresentou ao Hardi Filho e nós três nos tornamos amigos.

Vicência: O Hardi trabalhava no Banco?
Francisco Miguel: Não.  O Hardi era funcionário público federal, mas ele me foi apresentado, porque tinha relações lá com o Banco e com os bancários. Então, fui apresentado por Tarcisio Prado, teatrólogo de fama, pois eu quero que conste aí, meu amigo também do Banco do Brasil, conhecendo a mim e o O.G., nos apresenta ao poeta Hardi Filho, grande poeta já em 1964.  Conhecemos o Hardi, que logo veio com o livro dele e nos ofereceu, que é uma prática comum, aqui, entre os escritores. Em seguida, conhecemos o Herculano Morais e nós formamos um grupo: eu, Hardi e o Herculano Morais. O Grupo era chamado CLIP (Círculo Literário Piauiense), porque éramos mais novos. O.G. tinha aquele problema, e não queria saber de reunião, dessas coisas dos mais jovens... Então, o O.G. era um pouco mais velho do que nós... 

Vicência: O. G. Rêgo de Carvalho fez sérias críticas ao livro Rio Subterrâneo – Estrutura e Intertextualidade, tese de livre docência da professora Maria Gomes Figueiredo dos Reis. Ele diz que a tese é falha por tentar enquadrar sua obra em modelos pré-estabelecidos. O senhor concorda com essa crítica?A que modelos ele estaria se referindo?
Francisco Miguel: Você está me botando contra a parede. A professora Maria Figueiredo é minha amiga escreveu também sobre mim... É...foi minha professora e foi quem me incentivou também a escrever... Aí você me bota em maus lençois.  Eu prefiro não responder nada...

Vicência: O senhor prefere não se posicionar, então?
Francisco Miguel: Não me posiciono, porque são dois grandes amigos. Ela minha professora. Ele, considero meu mestre e colega. Colega, mas mestre também.

Vicência: Seu Francisco, o senhor saberia me responder a que modelos ele tava se referindo quando diz que é falha, porque ela tenta enquadrar a obra dele em modelos pré-estabelecidos? Que modelos eram esses?
Francisco Miguel: Isso aí eu posso dar uma idéia, eu acho! Que ele estava falando, acho, não tenho certeza, por causa das leituras que tenho, da crítica com trabalho literário. Essas coisas a que ele se referia, por comparação, é que o meu livro “Linguagem e comunicação”, não se tinha apegado a nenhuma teoria de antes. Claro eu também reinventei a teoria do romance, entendeu? De tudo o que eu sabia sobre o romance, eu reinventei, criei e dona Maria Figueiredo, como professora da Universidade, tinha seguido algumas escolas.  Só isso... Acho que resolve aí as duas perguntas.

Vicência: Quando O. G. Rêgo de Carvalho tomou posse na Academia Piauiense de Letras saíram vários comentários sobre o seu discurso. Qual foi o tom do discurso?
Francisco Miguel: Quando?
Vicência: Quando saiu o discurso do O.G. Rego de Carvalho falaram muito do discurso dele, qual foi o tom do discurso? Porque ele recebeu muitas críticas?
Francisco Miguel: Eu não tomei conhecimento dessas críticas...
Vicência: Saiu uma critica no jornal “O Dia”... Eu vi em dois jornais... que falaram em tom de crítica do discurso dele... que foi curto...
Francisco Miguel: Eu não tomei conhecimento. Mas discurso curto pode ser muito bom.

Vicência: Porque que o discurso não foi publicado na Academia?
Francisco Miguel: Eu acho que ele não quis, porque todos são publicados na Revista da Academia.

Vicência: Então ele não quis?
Francisco Miguel: Você sabe do problema (esquizofrenia) que é um tipo de doença mental sobre a qual já não há mais preconceito porque tem remédio. Mas esse negócio de preconceito demora muito a apagar-se, é muito chato, leva as pessoas a ficarem mais retraídas, tímidas ou orgulhosas. No caso de O. G., quando ele falava no seu problema não era queixando-se, dizia com muito orgulho de ser o que era e como era. E como se cuidava.  Eu tenho depressão grande, forte, estou tomando remédio contra depressão. Se eu não tomar vira outra doença e morro e termino morrendo até tragicamente. Quem tem esquizofrenia ou depressão, normalmente são bipolares também... Quando foi para Academia ele talvez tenha dito: “Não, eu não quero que publique...” E a Academia nem ninguém pode publicar nada que o autor não queira... só depois que ele morrer...
Vicência: Se a família autorizar?
Francisco Miguel: Só se a família autorizar.

Vicência: A polêmica envolveu somente o discurso ou o próprio convite para ele fazer parte da Academia? Houve alguém que foi contrário à indicação do nome dele para a Academia?
Francisco Miguel: Ninguém! A aceitação foi completa.

Vicência: Ninguém? Críticas referentes a ele ser indicado não houve?
Francisco Miguel: Não houve! Que eu saiba não.

Vicência: Em artigo publicado no Jornal Diário do Povo...
Francisco Miguel: E se saiu alguma “criticazinha” foi sem valor, nem adianta ir atrás disso.

Vicência: Em artigo publicado no Jornal Diário do Povo, no dia 3 de fevereiro de 2012, há uma homenagem pelo aniversário de O. G. Rêgo de Carvalho. Contudo, o tom do artigo está nas lembranças das polêmicas que envolveram o escritor oeirense e Dom Avelar Brandão Vilela, sobre a criação da Faculdade de Filosofia. Como conhecedor da vida e da obra de O. G., o que o senhor tem a dizer sobre esse conflito?
Francisco Miguel: Eu acho que isso aí foi uma coisa da época. O.G. Rego era um pouco imaturo, era muito jovem. Mas o O.G. saiu-se bem nessas polêmicas, não saiu mal não.

Vicência: Mas porque foi mesmo o conflito entre eles dois?
Francisco Miguel: É, isto acontece... Eu não sei bem o que foi e porque aconteceu. O.G. Rego nunca me contou exatamente como é que foi, mas eu sei que começou aquela coisinha pra lá, coisinha pra cá, no jornal, ao ponto de a coisa engrossar. Isso é bobagem, muita bobagem. O que vale é o que o homem faz, não somente o que ele fala: não se pode medir uma coisa pela outra. Dom Avelar, depois, foi conduzido para ser membro da Academia. Dom Avelar é uma figura que só fez bem para Teresina. Eu não sou episcopal, católico apostólico romano. Eu sou católico apostólico não-romano, mas, enfim, ele era uma pessoa muito competente, um dos maiores oradores que conheci e ouvi.

Vicência: Nessa época do conflito entre eles dois quem ficou do lado de quem?  Posicionaram-se intelectuais e autoridades?  Quem ficou do lado de O. G. Rêgo e quem defendeu Dom Avelar?
Francisco Miguel: Eu não sei, não foi meu tempo. Eu estava em Picos, ainda tratando de minha entrada para o Banco do Brasil, depois para o casamento.  O Kenard registra um negócio aí, mas eu não sei onde ele arranjou... É pesquisador do jornal, eu não sei qual foi o jornal, nesse tempo eu não morava aqui, não tenho posição, senão que um era muito jovem e outro já bastante calejado, respectivamente O. G. Rego e D. Avelar. 

Vicência: Em Como e porque me fiz escritor, O. G. Rêgo de Carvalho fala ter se desentendido com J. Miguel de Matos em relação ao uso de algumas palavras em seus livros. O senhor sabe que tipo de atrito houve entre eles? Foi somente de ordem lingüística?
Francisco Miguel: Foi só de ordem lingüística. J. Miguel de Matos, apesar de ter sido um grande divulgador, inclusive da poesia, divulgou a mim, Hardi, Herculano, divulgou todo mundo da época, mas não era um grande escritor. Imitava o estilo de Humberto de Campos em suas crônicas, algumas saborosas. Era jornalista, amigo dos poetas e também um bom, mas de poucos poemas, em virtude de dedicar-se mais à pesquisa e à crítica. Tal como o Kenard Kruel, jornalista, pesquisador e crítico, cujo trabalho, de modo geral, louvo.  Havia esses disse-que-disse porque a literatura nos anos 1964/1974, no Piauí, era bem movimentada.

Vicência: Olha seu Francisco, deixe me esclarecer. Essa entrevista eu vou transcrever tudo, tudo o que a gente conversou, a gente transcreve tudo, tudo mesmo, aí a gente traz para o entrevistado. Ele lê, aí ele é quem diz o que fica, o que é retirado e o que precisa ser acrescentado, não se preocupe em relação a isso.
Francisco Miguel: Tudo bem...

Vicência: Em um artigo na página de opinião do jornal “O Dia”, no ano de 2011, o senhor discute sobre a conceituação e caracterização do Regionalismo. Nesse artigo, o senhor elenca tipos de regionalismo e cita autores que se enquadram neles. Dentre tais autores você cita O. G. Rêgo de Carvalho. Em que aspectos o regionalismo escrito por ele se diferencia ou se aproxima do regionalismo escrito por autores como Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos e Francisco Gil Castelo Branco?
Francisco Miguel: Olhe só, regionalismo! Primeiramente, eu quero explicar uma coisa: Regionalismo é uma bobagem, todo escritor é regional, “se queres...” Eu não lembro quem foi o autor que disse... Russo, um grande autor, ah! sim, Leon Tolstói:  “Se queres ser grande e ganhar  o mundo, começa por conhecer a tua própria aldeia”, o que significa: Escreve primeiro sobre a tua terra. Escrever sobre sua terra, todo mundo escreve. Aliás, eu já disse em outros lugares que quem não ama sua terra  não ama ninguém, não tem alma da qual a terra é mãe... Então, esse regionalismo do O.G. não tem nada  a ver com o regionalismo da Raquel de Queiroz, mas é regionalismo nesse sentido que eu estou falando, que todo escritor por mais  que ele não queira ser regionalista se encontra... Eu encontrei, por exemplo, em um artigo que não escrevi e que está guardado, ali, nas coisas que  não publiquei, sobre o Esdras  Nascimento, vestígios  de que ele não só escrevia lá para o sul, se é de Teresina. Nasceu em Teresina, foi embora depois de estudar ... Você conhece o Esdras Nascimento? Já ouviu falar? Pois é. Então, nele eu encontro vestígios de palavras e expressões nossas, de cá, nos livros dele. Mas também outra coisa que eu encontrei no filho de Da Costa e Silva, que não nasceu no Piauí, mas em Fortaleza, o Alberto da Costa e Silva, desde que viveu lá muito tempo, vestígios do nosso vocabulário nordestino, o nosso modo de falar... É que está na alma, está na criatura.  Não tem jeito, regionalismo é isso. Como regionalismo, como escola literária é tolice, é bobagem.

Vicência: Em agosto de 1978, consta nos resumos biográficos, que O. G. Rêgo de Carvalho participou de almoço no Luxor Hotel, oferecido pela União Brasileira de Escritores (Piauí), em homenagem a Gilberto Freyre. Quais eram os contatos que O. G. Rêgo mantinha com Gilberto Freyre e com escritores de outros estados e de outros países? Vocês trocavam informações sobre tais autores?
Francisco Miguel: Não sei de nada. Eu não lembrava nem desse almoço. Creio que eu estava lá, talvez já andasse nas minhas viagens para Salvador, onde pretendia fazer minha pós-graduação.

Vicência: Se o senhor tivesse que classificar Ulisses entre o Amor e a Morte, Rio Subterrâneo e Somos Todos Inocentes como textos regionalistas, quais deles seria o mais e o menos regionalista?
Francisco Miguel: “Rio Subterrâneo”.

Vicência: Seria o mais ou o menos?
Francisco Miguel: O menos. O mais é “Somos todos inocentes”. Oeiras é o personagem principal de “Somos todos inocentes”. Está lá no meu livro, é só ler em “Linguagem e comunicação...” a parte que eu analiso esse livro.

Vicência: Sobre o grupo “Meridiano”: Como esse movimento influenciou na constituição dos literatos daquela época?
Francisco Miguel: É um movimento como todos os movimentos são: rápidos. Não chegou a influenciar nada, não. A época é que vai dizer, a época história, o tempo.  Não sei por que eu não vivi o tempo daquela rapaziada da "Meridiano, não morava em Teresina, sou do interior (Picos). Não foi o meu tempo. Mas sei que movimentos tipo “Meridiano”, CLIP, esses de agora, nenhum influenciou nada, nem ninguém. O que influencia é a vivência da época, é a sociedade da época e o conjunto daquilo que nós chamamos de literatura. Na época do “Meridiano” não havia divulgação da literatura. Primeiro, porque nem chegavam jornais de fora em Teresina, senão com distância de mais ou menos um mês.  Depois foi diminuindo... Depois chegaram rádio e televisão, então o mundo foi ficando maior, de forma que o Regionalismo já não existe. Aliás, não existe mais Modernismo, o que existe é a Modernidade, o modernismo se acabou depois do Drummond. Tudo agora é atualidade, pós-tudo, pós-nada.

Vicência: Onde os membros desse grupo se reuniam e o que faziam nas reuniões? 
Francisco Miguel: Não, não sei.

Vicência: O grupo foi bem recebido pelos literatos mais experientes e de outras filiações?
Francisco Miguel: Também não sei. Não sei nem a extensão que ele teve, porque na época as coisas eram muito mais difíceis. O nosso CLIP chegou porque a coisa estava mais aberta em literatura, embora no começo da Revolução de 1964”. Mesmo assim tomou uma certa posição...tanto é que na “Revista Cirandinha”, um produto, digamos assim, do CLIP (todos os escritores do CLIP estão lá na revista), Eu, o Hardi, o Herculano, mas nós incluímos  os que estavam aparecendo, os novos, pois era  justamente a  nossa pretensão  era essa, era que todos fossem escritores bons, todos eles, todos divulgados. Não tinha exclusividade, nós não éramos contra a Academia, ao contrário, nós não éramos contra nem a favor da Academia. Tão bom que ela se movimentasse também, a única coisa que tínhamos contra a Academia era que ela estava muito parada. Então, creio que o “Meridiano” também queria a mesma coisa, só que os tempos eram mais difíceis, entendeu? 

Vicência: Em seu livro “Literatura do Piauí”, Teresina, 2001, o senhor diz que, no fundo, o movimento Meridiano imitava “os poetas de 30 e o regionalismo de seus romancistas”. Não houve nada que os diferenciasse?
Francisco Miguel: Não. E quem imitasse tinha como referência. A última referência foi o ùltimo movimento, digamos assim.

Vicência: Mas não tinha mesmo nada que o diferenciasse?
Francisco Miguel: Tinha. De começo era uma linguagem meio, digamos assim, uma linguagem meio cifrada, voltada, digamos que para o “Parnasianismo”. Só que o “Parnasianismo” sem rimas, sem aquela métrica, mas voltada para as coisas concretas. Tipo João Cabral de Melo Neto, só que muito menos originais, ou melhor, nada originais.

Vicência: Insisto, se o movimento imitava os poetas e o Regionalismo dos romancistas?  Os poetas de 30 e o Regionalismo...
Francisco Miguel: De trinta e... Pois é... É o que estou respondendo. Então era só linguagem, eles não imitavam, imitavam entre aspas.  Eles se influenciaram, tiveram influência. E ficou nisto mesmo.

Vicência: E sobre o “Caderno de Letras Meridiano”? Como funcionou no incentivo para a reunião de escritores e para a publicação de seus textos?
Francisco Miguel: No “Caderno Meridiano”...?

Vicência: Houve algum atrito entre os idealizadores, visto que o Caderno durou pouco tempo?
Francisco Miguel: Não sei.

Vicência: E a atuação desses escritores, inclusive do senhor, nos jornais e revistas das décadas de 1950 a 1970?
Francisco Miguel: Eu morava em Picos, de 1950 a 60. Só no fim de 1964 chegava a Teresina, vindo já do interior da Bahia, onde tinha ido exercer as funções de Chefe da Carteira Rural no Banco do Brasil. Minha participação tinha sido apenas em Picos, isolado, em jornais de estudantes. Para a época e o local (interior) foi boa. Eu não tinha nenhum conhecimento desse movimento. Como influenciou, eu não sei. Para você ter uma ideia, o poeta piauiense que eu conhecia, lá no interior, era Da Costa e Silva, porque saíam poemas dele no “Almanaque da Parnaíba”, publicação que circulava no Piauí todo. Era de grande circulação e acho que é uma fonte de pesquisa da maior importância, entendeu? Para a literatura e para a história.

Vicência: Em seu livro Literatura do Piauí, ao falar do Grupo Meridiano, você cita trecho de uma carta de Afonso Ligório, de 10 de junho de 1994. A quem foi endereçada a carta?
Francisco Miguel: A mim, eu tenho essa carta, só botei um trechinho que me interessava.

Vicência: O senhor tem conhecimento da existência de cartas de outros escritores piauienses falando sobre o grupo?
Francisco Miguel: Não, só sei dessa que o Ligório me mandou.

Vicência: Em algumas entrevistas, O. G. Rêgo de Carvalho diz que autores como Dostoiéviski, William Saroyan o impressionaram muito, especialmente com os livros “Os Irmãos Karamazov” e “Comédia Humana”, respectivamente. Alguns críticos consideram esses autores como existencialistas. É possível pensar os livros de O. G. Rêgo de Carvalho também como existencialistas?
Francisco Miguel: Já li os dois livros citados por O. G. Rego, são grandes livros. E como influenciou a ele eu não posso saber... Já existencialismo é outra besteira. Existencialismo é filosofia. Na literatura, foi inventada pelos romancistas Jean-Paul Sartre e o Albert Camus, franceses da época da Última Grande Guerra e cada um fez seu “existencialismo” diferente. Eu conheço o Camus todo e li o Sartre quase todo, inclusive a parte de filosofia. Li os existencialistas mais novos. Acabou.  O. G. Rego é existencialista? É a pergunta. Creio que não.

Vicência: É coisa de filosofia, não é?
Francisco Miguel: É.   

Vicência: Em algumas entrevistas, ainda nas décadas de 1970 e 1980, O. G. Rêgo de Carvalho afirmava não existir, ou pelo menos não acreditar na existência de uma “literatura piauiense” e isso causou certo desconforto entre os literatos e intelectuais piauienses. Em sua opinião, essa afirmativa do autor foi muito incisiva?
Francisco Miguel: Eu conheço essa história, mas ele, O. G. Rego, retificou-a num depoimento ou entrevista, nas páginas de “Cadernos de Teresina”.

Vicência: O senhor lembra do ano e nº da revista onde ele fez a retificação?
Francisco Miguel: Não, não lembro. Mas é fácil saber: a revista Caderno de Teresina será encontrada na biblioteca do Conselho Estadual de Cultura (numa coleção que eu doei pra lá). Mas voltando à declaração de O.G. Rego, ele próprio retratou-se quando confessa que, quando estava no Rio, só ouvia falar da literatura piauiense em prosa porque citavam Fontes Ibiapina e seu regionalismo. Então ele escreveu “Somos todos inocentes”, para que Fontes não fosse o único romancista piauiense.  Fontes Ibiapina era o autor mais divulgado aqui no Piauí, e O. G. Rego, morando no Rio, desejava ser divulgado no Piauí, você está entendendo?  “Somos todos Inocentes”, segundo o próprio autor, é seu livro mais fraco, embora não seja nada disto: de O. G. Rego não sai nada fraco, sua obra é una e única, exemplar.

Vicência: São suas razões, ou foi mal interpretada pelos críticos? Já respondeu?
Francisco Miguel: É coisa assim de momento, para causar impressão. Às vezes vai para o jornal o que ele falou. E causa impacto.

Vicência: Os livros de O. G. Rêgo de Carvalho, sobretudo Ulisses entre o amor e a morte, são considerados textos que trazem fortes traços de musicalidade e de poesia. Esse modo de escrita teria causado que tipo de percepções na literatura piauiense à época que foi lançado? O que de inovador esse livro, bem como os demais, trouxe para a escrita literária piauiense?
Francisco Miguel: “Somos todos inocentes?”

Vicência: “Ulisses ente o amor e a morte”.
Francisco Miguel: Para literatura piauiense trouxe muito. O estilo inconfundível, num livro onde o lírico se combina também com épico e o tráfico, pequeno e forte.  Mas eram praticamente Fontes Ibiapina e Miguel de Matos, os romancistas (o último publicou “Brás da Santinha” - romance autobiográfico). E chegamos a nós mesmo, que era mais poesia do que prosa. Esquecida ia ficando a prosa, muito boa, de O.G. Rego (Ulisses entre o amor e a morte, 1953, e Amor e Morte, 1956).  Foram estas obras de O. G. Rego, é claro, que me influenciaram.

Vicência: O senhor o considera pioneiro em algum aspecto?
Francisco Miguel: Sim.

Vicência: Em qual?
Francisco Miguel: Ele é pioneiro na audácia de escrever e publicar ficção entre bacharéis, na maneira de escrever prosa com um estilo poético sem ser poeta e sem ser poesia, ou seja, os versos dele são medidos, tem ritmos, mas não têm rima. A prosa dele tem ritmo, o que não acontece como as outras prosas, além de outras coisas que eu não vou falar do meu livro.

Vicência: Como a crítica piauiense recepcionou Ulisses?
Francisco Miguel: Eu acho que não havia crítica piauiense na época... Não havia crítica. As pequenas coisas que apareciam como crítica eram impressões de amigos, de leitores, escritores. Na época não havia crítica, é que os jornais eram muito políticos (não diversificados). Foi quando houve a polêmica com D. Avelar. O. G. Rego de Carvalho foi o principal mentor da Revista Meridiano, final dos anos 1940. Então, como é que Assis Brasil, posteriormente, o coloca com um dos “novíssimos”. Que divisão e essa?
Vicência: Então, a divisão da literatura piauiense, de Assis Brasil, é só uma questão lingüística?
Francisco Miguel: É... Só uma questão lingüística. Isso não tem nenhum valor apreciativo, qualitativo de classificação.

Vicência: No livro de Herculano Morais, Visão Histórica da Literatura Piauiense, O. G. Rêgo de Carvalho fez questão de escrever, à mão, que os comentários feitos sobre ele eram imprecisos. Segundo O. G., Herculano teria classificado sua ficção como naturalista, chamando “Ulisses...” de ficção científica e que seus livros são tradicionais, com início, meio e fim. O. G. chega mesmo a dizer que Herculano é um “pobre crítico”. Em que medida, em sua opinião, Herculano teria cometido tais “erros”?
Francisco Miguel: Eu não sei, eu só sei que está errado, um comentário feito muito às pressas, sem pensar, porque ler eu sei que leu.  No meu livro é diferente, eu só posso dizer isso, e talvez o O.G. tenha razão. Mas não vou falar mal dos meus colegas, não tenho nada a dizer, cada escritor escreve o que quer.

Vicência: Em sua análise, como crítico, o que, de fato, torna a escrita de O. G. Rêgo de Carvalho distinta dos romances de outros escritores piauienses daquela época, especialmente entre as décadas de 1940 e 1970?
Francisco Miguel: Em termos de Piauí, de 1940 a 1970, tínhamos poucos romances e romancistas que suportassem um estudo crítico. De Fontes Ibiapina já falamos: folclórico e localista, que também caberia se disséssemos regionalista.  Mas, Fontes era mais contista que romancista. Renato Castelo Branco, que pode ser classificado entre os romancistas dos anos 30 (só muito depois ele se atualizou), e que nem sei se suas obras chegavam até aqui, dois ou três romances.  O.G. Rego de Carvalho, que se destacou porque lia muito, tem uma inteligência privilegiada, e também pela capacidade de trabalho, treino e obstinação, só pode ser por causa de tão distintas qualidades. A conclusão é que não havia uma literatura de romance, naquele tempo. Sua pergunta nem devia existir. Dois ou três que escreveram romance não é ter romance propriamente, em especial para avaliação. As comparações sobre O. G. eram naturalmente com os romancistas de fora do Piauí.  A partir de 1970, começaram a aparecer outros: José Expedito Rego, com “Né de Sousa” e eu (Francisco Miguel de Moura), com “Os estigmas” – os dois últimos, já editados nos anos 1980, porém gestados na década de 1970.

Teresina, Piauí, 21/04/2012.

NOTA: FINALIDADE DA ENTREVISTA:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA - PPGH
DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL

TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO

Eu, FRANCISCO MIGUEL DE MOURA, declaro que aceitei responder ao roteiro-questionário da Entrevista para a pesquisa da Tese de Doutorado, desenvolvida por Pedro Pio Fontineles Filho. Afirmo, ainda, que estou ciente das informações por mim concedidas, bem como autorizo a utilização do presente material, na íntegra ou parcialmente, para a produção de textos e futuras publicações, sem nenhum impedimento ou ônus para o pesquisador.

Teresina, 18 de julho de 2012.

Francisco Miguel de Moura


2 comentários:

Cristal de uma mulher disse...

Muito boa esta atividade
comunitária vinda de real compromiso de sua parte..Saber de como tudo começou e o fim de todo começo..sim porque sempre haverá um começo para toda a atividade na vida cotidiana de cada "ser" inteligente e de culturas elevadas.

Parabéns meu amigo

Tenhas um semana de paz e felicidade

CHIICO MIGUEL disse...

andei por seu blog e acho-o muito lindo mesmo, aliás, de vez em quando passo por lá para ver principalmente a parte visual muito artítica. Obrigado por me ver, abraços bem largos de poeta e amigo, com aquele afeto
Chico Miguel de Moura

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