quarta-feira, 21 de março de 2012

SONETOS DOS DESENGANOS






BUSCA E VERDADE
     Francisco Miguel de Moura*


Na busca da verdade, o homem pensa
seu pensamento ser dos mais humanos,
e nisto leva meses, leva anos,
e, cegamente, agindo sem detença.
 
No seu pensar existe a força imensa
de compreender os genes desumanos,
pelo perdão negado. Ah! desenganos
dos insensíveis traços... Desavenças!

É o sofrimento em tudo e em toda a idade,
nulificando "o ego" e a liberdade,
desconhecendo o amor... Ainda duvida?

Não lembram que foi Cristo, a divindade,
quem "urbe et orbe" disse com piedade:
"Sou o caminho, a verdade e a vida?"


A FALTA DO ESPÍRITO



Outrora eu tive angústias tão exasperantes
Como não crer em Deus, não querer o futuro.
Hoje, disto curado, inda mal me seguro,
Sem ter nem encontrar certezas fascinantes.

E em vão feridas saram num velho viajante
De todo resolvido a construir sua obra
Sem voltar-se ao espírito, uma nova dobra
Pra expulsar o veneno solto a cada instante.

Perante a humanidade igual a mim, sem fé,
Menti ser diferente  e me fazendo até
Acreditar que bem mostrava novo exemplo.

Hoje, o saber humano, eu sei, feito de lama,
No proscrito me atira onde está minha cama
Porque fiz da matéria a base do  meu Templo.


A TRISTEZA



Todo mundo algum dia esteve triste,
com vergonha de ser, de se mostrar,
sem  querer aceitar, quando resiste,
o “eu”, o outro, o céu, a terra e o ar.

Por ter doenças difíceis de curar,
só pensando um futuro aterrador,
se o mal, de qualquer forma, foi o amor
que lhe faltou... Por quê? Não soube amar.

Também sofri por isto e, sem receio.
Com risos que não tenho – meus inventos –
vou castigando o monstro-orgulho feio.

E aprendi a lavrar meus sentimentos,
guardando o cabedal dos pensamentos
num cofre de saúde e de amor cheio.  


COMO SABER


Sou como a natureza: Não me deixo
transformar porque apenas alguém quis;
não julgo nem condeno,  mediatriz,
penso de mão na testa e não me queixo.

Penso e resolvo o que me diz respeito,
por dentro e não por fora, que é ilusão.
De que vale pintar “sim” sobre “não”?
de que vale mostrar o que é desfeito?

Previno-me de enganos aonde for...
Mas como vou saber se sou cativo
da razão? se nasci só para o amor?

Como  é que vou saber da minha sorte,
se me perco no mundo em que cultivo
razão e sentimento, e vida, e  morte?


CONSOLATRIA

               1

A casa era modesta e me convinha,
Olhei de esguelha, o morro. Ela, trepada,
Não me disse da bela namorada,
Que guardava, sonhando e tão sozinha.

Não havia por perto outra vizinha,
Nem outro viandante pela estrada.
Sol da manhã e a porta escancarada,
E uma donzela ao meu encontro vinha.

Minha pressa tomou-se de harmonia
Aos seus passos cantantes de alegria
Para abraçá-la em frente da janela.

E a moça arrependeu-se e, com bondade,
Me disse que eu voltasse... Na verdade,
Pensou que eu fosse o namorado dela.

                              2


Fiquei lutando contra o desengano,
Adivinhando um dia nos meus braços.
Guardava, em pensamento, os belos traços.
Que ela guardasse os meus, sem novo engano.

E assim refiz mil vezes o caminho,
Percorrendo sem pressa ou azedume,
Sem ter medo, vergonha nem ciúme,
Mas não ganhei sorriso nem carinho.

Falei comigo: – Se ela não me quis,
Não deixarei jamais de ser feliz,
Pois me sobrou a imagem mais singela

Que se compõe qual fosse uma viagem
Sem mala, sem bilhete nem passagem,
Ao lado de outra virgem  igual a ela.

           
                          3


Tantos anos passaram... E ainda agora
De tudo que guardei da adolescência,
Aquele tempo de espera e paciência,
Como saudade no meu peito mora.

Tão casual o encontro, muito embora,
Duradoura demais minha insistência,
Que eu jurava ser simples inocência,
Agora sei que o homem não tem hora

Para amar ou pra conquistar o amor,
Quer este rime com prazer ou dor,
E só por isto a nossa vida é bela.

Meu coração palpita de contente
Quando recebe da mulher que ostente
Um riso apaixonante como o dela.  


ELA, QUEM É?


Quando ela passa sem voltar o rosto,
orgulhosa do corpo, intenso lume,
no caminhar derrama um tal perfume
que cega o nosso olhar de tão bom gosto.

Quando ela vem de novo dá esperança,
e a gente nem pressente como passa
rindo ou cantando, com tamanha graça!
Impossível saber para onde avança.

Da vez próxima deixa de acenar
com a saudação comum de cada hora,
mesmo mostrando graça em seu passar.

Mas na última vez, vem tão sagaz,
que ao léu nos deixa e nem sequer se cora...
Quem sabe se ela volta ou nunca mais?



INGLÓRIA AMIZADE

 
Uma delícia de menina, aquela,
Delicada de mais... Quanto sonhamos!
Com seu medo e meu medo, nós rezamos...
Não sei bem a que santo a reza dela.

A minha era à Senhora Aparecida
Que me ajudasse a nunca vir perdê-la
Pois jamais tinha visto alguma estrela
Que tanto iluminasse a minha vida.

Amei-a muito e assim fui enganado,
Se ela me quis para seu namorado,
É que não tinha namorado algum.

Mas quando apareceu quem lhe sorrisse
Sabem, vocês, que foi que ela me disse:
“Por você, não nutria amor nenhum”.

           Estrambote:

Triste, bem triste, a glória da amizade
De uma mulher que amarga na saudade.
 


SEM VEZ NEM VOZ

                  

Essa tristeza que me bate agora,
indiferente a tantas alegrias
que já gozei por muitos, muitos dias,
não acredito que existisse outrora.

Como foi que perdi o sono e a hora,
porque me viro e mexo em noites frias
ou quentes. Donde vêm as agonias
deste invisível mal que me devora?

Essa tristeza mata-me as vaidades,
os traços familiares e as herdades,
tudo o que ontem fui de bom ou ruim.

É assim que se morre pouco a pouco,
sem ouças, sem visão, ai que sufoco!
Que é da fala?... Sem voz se chega ao fim.


PRESENÇA ANTIGA


Lembrando aquele sonho que me vela
as memórias, escrevo... E, de repente,
desce-me ao peito anúncios de procela,
pisando leve pra não me acordar.

Com lágrimas, revejo uma aquarela
branca e vermelha de quem vibra e sente
É que o amor jamais me dava trela,
rugia sexo além do verbo amar.

Dentro de mim pulsava uma donzela,
tão simples, num vestido de chitinha
a dançar e dançar no corpo dela.

E um cheiro que não sei donde é que vinha...
Oh, que gostosa  juventude eu tinha!
Era a doce presença de Arabela!

____________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, mora em Teresina, Piauí - Brasil.
e-mail: franciscomigueldemoura@gmail.com

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