domingo, 17 de maio de 2009

TERÊSA TENÓRIO - POEMA NECESSÁRIO/97


Esta edição teve colaboração especial de Aricy Curvello (Serra, ES) e Jorge Tufic (Fortaleza, CE), com seis poemas de TERÊZA TENÓRIO, poeta pernambucana. Este PN é distribuído a 2.416 endereços e circula em homenagem a MARIA LUÍZA RAMOS (Belo Horizonte) e a GERALDO ALVES, ou Geraldo Capeta (Raul Soares / Belo Horizonte).

Paschoal Motta*


1.

IX

Amor que foi amor ora é sossego,
repouso, ardência, lúcida lembrança,
fogo tornando-se rio e represa
fluindo no sentido deslembrança

retornando como as aves toda a ânsia
migratória do sul em seu novelo
de velozes momentos e distância
daqueles que transcendem este modelo

de amor que foi amor e ora é sossego
e será ainda mais calma e repouso
afastando de si a sombra e o medo
superpondo no tempo nossos rostos.


(de Noturno Selvagem, em POEMA ACESO, Philobiblion, INL,
Fundação Pró-Memória, Rio de Janeiro, 1985)

2.

A FACA SOBRE A ÁGUA

Existe o duplo silêncio: o da flauta
e do tempo (que há mundos paralelos).
Há o movimento rítmico: o do pêndulo
no silêncio partido do hemisfério.

E foi teu último engano: a ferida
rubra e sangrenta. A branca madrugada
transformou-te de louca suicida em
clara manhã de pássaros e fadas.

Houve também a faca sobre a água
com o brilho mortal das escamas rápidas
e houve o encontro da terra com os astros
na rota dourada do fim de tarde.

(de O Círculo e a Pirâmide, idem)

3.

INVENTÁRIO DE TUDO

Teu Amor me deixou nua
seu brilho de água clara
Vestida da luz da lua
Penetrei na tua casa

Passeei pela mobília
repleta de peças caras
Mergulhei nos candelabros
envoltos em ouro e prata

Nas alamedas de vidro
repousei nas almofadas
dispostas sobre o assoalho
de brancas lajes tão raras

Através dos corredores
descerrei portas e salas
Nos jardins achei intactos
pedaços de nossas almas

Teu amor me deixou muda
seu gosto de pura lágrima
Perdida na luz da lua
desapareci na praia

(de Poema Aceso, em Cadernos de Poesia, Governo do Estado de
Pernambuco / Secretaria de Cultura / FUNDARPE, 1996)

4.

NÃO OS QUERÍAMOS SAGRADOS

A Aluizio Barro de Carvalho
e Telma Nóbrega Tenório de Albuquerque

Não os queríamos sagrados nos ritos da sombra
Peregrinos do silêncio
como saber se lembrarão o vôo dos pássaros
a textura da rosa
os insondáveis caminhos?

A obsidiana revolve a terra
em busca do coração da argila
e seus dolorosos anéis
mais o selo de sangue puríssimo

Não os queríamos no Além
os anjos pairando sobre as luminosas cabeças
as mãos em cruz
sentados à direita
do oráculo
mortos

(de Corpo da Terra, 1994. Poema escolhido por Aricy Curvello)

5.

A CASA NA COLINA

Quem sempre quis uma casa na colina
pra que pudesse namorar as árvores

Tanto sonhou o rosto de uma menina
sua cabeleira a refletir as vagas

Eu que amarguei a solidão da sina
de uma infância sofrida além da margem

de tanto amar o amor como a saudade
transformei-me ao sol dessa menina

Tendo na boca o gosto da menina
do crescer na paisagem do silêncio

degustando a palavra enquanto sina
transformando o silêncio enquanto tempo

em meio ao sonho que a estrela move
em meio à sina que se mofe ao vento

(de A Casa que Dorme)

6.

CANTO DA PAIXÃO

Meu Amor distante e mudo
preso no azul da planície
retomo no tempo e busco
o aceso rosto tão nítido.

Sobre a pele perfumada
de mirra, incenso e aloés
revoltas vestes de seda
em meu leito de dossel.

Meu Amor distante e rude
anjo noturno da sombra
dentro da noite serena
queimo de dor tua lembrança.

(de Poema Aceso)

TERÊZA TENÓRIO, A REAFIRMAÇÃO DO LIRISMO

De nome inteiro Francisca Terêza Tenório de Albuquerque, a Escritora Terêza Tenório é de Recife, 1949, onde nasceu e atualmente reside. Também advogada, tem ainda curso de Belas Artes e é mestre em Letras. Publica desde os vinte anos. Começou publicando textos no Diário de Pernambuco. Já publicou de poemas: Parábola (Imprensa Universitária UFPE/PE, Recife, 1970; O Círculo e a Pirâmide, Ed. Quíron, São Paulo, SP, 1980; Mandala, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ, 1980; Noturno Selvagem, 1981, Edições Pirata, 1981. Poema Aceso, 1985, ainda reúne os títulos anteriores, Ed. Philoblibion, Rio de Janeiro, RJ; Corpo da Terra, 1994, Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, RJ; Treze Poetas da Geração 65:30 Anos, 1995, org. Espaço Pasárgada / Fundarpe / Sec. Turismo da Cidade do Recife, PE; Poemas de Tereza Tenório, 1996, in Cadernos de Poesia / 6, Geração 65, Fundarpe, Recife, PE; Fábula do Abismo, 1998, Ed. Bagaço, Recife, PE; A Casa que Dorme, 2002, Série Poetas Brasileiros, Ed. LivroRápido, Recife, PE.

Ainda participa do vídeo Dois Séculos de Literatura Pernambucana, 1998. Tem poemas em mais de 30 publicações entre antologias, revistas, cadernos.

Quando saiu Poema Aceso, Alberto Cunha Melo acentuou em artigo crítico: “Este Poema Aceso, de Terêza Tenório, vem reafirmar a validade, a resistência e a eternidade da Lírica como categoria poética que transcende estilos de época e correntes estéticas, historicamente determinadas, mas sem negar sua procedência, seu atavismo latino.”

Ariadne Quintela, entre outros críticos, ressalta, na Apresentação de A Casa que Dorme: “A Arte nasceu com Tereza Tenório. Depois de incursões em várias áreas – Pintura, Desenho, Escultura, Prosa – a artista elegeu a Poesia como seu canto. (...) Terêza, inscrita entre os bons poetas de Pernambuco, tem público certo porque sabe tocar na alma de cada pessoa. A autenticidade e a sensibilidade são propulsores do radar alojado em seu coração e lhe garantem o sucesso sob forma cristalina do reconhecimento através do tempo, porque a Arte não tem idade nem com conhece barreira.”

Lucila Nogueira, no mesmo A Casa que Dorme, prefácio, registra: “... o que me encanta em Terêza Tenório é sua capacidade mimética de incorporar a condição humana nas mais diversas falas das plurifacetadas personas.”

A pedido de PN, o poeta e crítico literário Aricy Curvelo, observa em três linhas sobre a criação poética de Terêza: “Uma das principais características da poesia de Terêza Tenório é o entrelaçamento dos versos de forma contínua, geralmente sem orações subordinadas e sem conjunções, o que vivifica em seus poemas um lirismo muito pessoal e próprio.”

Notícias recentes informam que a Escritora passa por inesperada enfermidade.
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Copiado de POEMA NECESSÁRIO / 97 - Correio Eletrônico de maio/2009.
*Paschoal Motta, poeta, ensaísta, professor brasileiro, mora em Belo Horizonte - MG

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