sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

NOME FEIO, COISA PEQUENA

Francisco Miguel de Moura*

Prosopagnosia: - Duas raízes gregas: prosopo = rosto; agnosia = perda da faculdade de reconhecer o todo, embora conheça as partes. Sofro dessa deficiência da memória cujo nome científico é prosopagnosia (e ainda não há termo popular correspondente). O sintoma principal é a dificuldade de gravar fisionomias – o rosto das pessoas. É verdade que existem alguns artifícios de que o portador se vale para não passar muitos vexames, entre os quais a clássica pergunta:

– “Qual é mesmo o seu nome”? – indagação feita quando o portador fala com alguém que é do seu convívio, mas há anos que não o v
ê.

Uma outra pergunta pode ser feita em vez daquela:
– Onde v
ocê trabalha? – quando não lembra o lugar onde se viram à primeira vez

Ou então para aliviar a situação embaraçosa:

– Você me conhece de onde? Quando fomos apresentados?

Enquanto as perguntas são respondidas o prosopagnósico ganha tempo para examinar o corpo, a cor, os gestos, o cabelo, a roupa, a forma do nariz etc. e principalmente a voz. E daí possa fazer uma previsão. Nem sempre acerta, mas é um esforço que compensa como exercício de reconhecimento e como medida para não entrar no sufoco de vez.

Para quem ainda não leu nem ouviu nada a respeito, a prosopagnosia é pouco conhecida. Foi descoberta pelo médico neurologista alemão Joachim Bodamer, em 1944, no “fronte” da Segunda Guerra Mundial. Cerca de 2,5 milhões de pessoas no mundo sofrem do mal. Eu mesmo, portador, há uns três ou quatro anos vim a saber por informe da revista “Veja”. Pesquisei em jornais e revistas, nos sítios da internete e noutros meios de comunicação e escrevi dois artigos. Logo fui abordado pela revista “Época”, do Rio, que me procurou para uma entrevista. A matéria repercutiu – inclusive porque eu me declarava escritor, anunciando o meu livro “Antologia – poemas escolhidos pelo autor”, que acabava de lançar. Mas não disse tudo. Estou, agora, explicando mais um pouco. Se fecho os olhos e tento visualizar um rosto, por mais conhecido que seja – o de meu pai, de minha mãe, de minha mulher, o meu mesmo – não consigo juntar os traços e ter as feições completas. Este é um problema pessoal. Porque, na verdade, a gente não deixa de reconhecer as pessoas do convívio nem aquelas com as quais se encontra constantemente. O que se não consegue é reconhecer as que demoram muito a serem vistas, digamos que cinco anos, no meu caso. Também ver a foto e depois reconhecer o fotografado e vice-versa eu não consigo. Não sei se todos os prosopagnósicos são assim. Tirante esses empecilhos, disse à repórter da revista “Época” que não sentia nenhuma dificuldade em ser escritor por esse problema de memória. Até achava interessante, pois a imaginação ficava mais solta para que eu criasse tantos rostos quantos exigissem minhas histórias ou meus poemas. A única atrapalhação era na hora do autógrafo, nas festas de lançamento. Acrescentei que a única profissão que não me sentia em condição de exercer era a de policial.

A prosopagnosia tem duas origens: adquirida e genética, a primeira, quando a parte cerebral atingida em acidente é aquela que processa o conhecimento de fisionomias; a genética, como o nome diz, é a que a criança já nasce com ela, herança de pais prosopagnósicos. Eu estou no último caso. Minha mãe sempre se queixou dessa dificuldade de gravar fisionomias. Até agora, não há preconceito contra a deficiência, mas também não há remédio. É conviver com ela – embora muitas vezes nos chamem de esnobes ou orgulhosos por evitarmos falar com pessoas que passam por nós, justamente por causa do decorrente constrangimento.

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*Francisco Miguel de Moura - Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras. E-mail:
franciscomigueldemoura@superig.com.br

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