terça-feira, 30 de dezembro de 2008
CALENDÁRIO - 2008 - 1ª SÉRIE - EDSON GUEDES DE MORAIS*
Capa
PERDIDA ESPERANÇA
Francisco Miguel de Moura
Perdi o trem das minhas esperanças,
sem pressentir perder real transporte
deste abismo de vida... E já sem norte,
chego a pensar perigos e vinganças.
Corpo e alma, meus pratos na balança,
quais sinetes fatídicos da morte:
O que me deram pra marcar a sorte,
desde os meus verdes tempos de criança.
E houve caminhos, descaminhos... Forte,
eu não fui forte! E carreguei distâncias.
E a ternura de mãe foi meu suporte.
Ah se os meus restos encontrassem paz!
Fariam tudo para ser mortais,
ferindo a evolução das substâncias.
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Janeiro
ESSA CHUVA
Francisco Miguel de Moura
Essa chuva a bater no meu telhado,
pelas bicas descendo em borbotão,
tangida a raio, a ronco de trovão,
dá-me um sono tranquilo e temperado.
Essa chuva matando a sede ardente
dos animais, das árvores, da terra,
dá pinceladas verdes sobre a serra,
cai-me no peito carinhosamente.
Essa chuva tão forte e barulhenta,
que não é chuva "de resignação",
vem da lira de Deus que se arrebenta.
Essa chuva engravida, com certeza,
a semente do amor no coração...
E abre-se em flor e fruto a natureza.
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Fevereiro
EU E MEU NOME
Francisco Miguel de Moura*
Quem eu sou? Impossível responder
sem confundir o ser com o ter sido,
com o vir-a-ser, com o nunca ter nascido.
Sei o meu nome, é todo o meu saber.
Quem vai fazer meu nome, pode crer,
é o menino que em mim está fingido.
E se o fizer depois de eu ter morrido,
de que me serve o longo desprazer?
Sirvo à dor do infinito ou à matéria.
Quem é livre pra ter mais que a miséria,
dá sem pedido, esbanja a qualquer hora.
Não sei mentir, por isto é que me invento.
E com a força que vem do sentimento,
não passo de um menino que se adora.
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Março
A CASA DO POETA
Francisco Miguel de Moura
Ficaria num alto, assim e assim...
A casa em que nasci. Era pequena,
de taipa e telha, no alto da colina,
de onde me vi nos bois e sua sede.
E à noite, se acendesse a lua cheia,
a estrada era tão branca e parecia
um rio de água clara me clareando
a baixada, na busca de outro rio.
Tinha um quarto, uma sala e uma rede
para embalar-me no calor febril.
E a cozinha era a paz de nossa fome.
Não havia fachada, as telhas tortas,
sujas, pretas do tempo e sol sem chuva...
E ela se foi levando a minha infância!
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Abril
CURRICULUM VITAE
Francisco Miguel de Moura
Dentro do tempo nasce uma verdade
linda e perfeita - a vida que se enflora.
É outro o tempo, é coisa de uma aurota,
corre tão louca essa felicidade.
Durante a infância há risos sem demora
e, antes da madureza, a mocidade
vende saúde, oh generosidade!
Mas sua meia-idade o homem deplora.
Descendo a escadaria dos quarenta,
eis senão quando, ser finito, vê-se
relendo a partitura do infinito.
Desse choque escapar, o homem tenta.
Se não consegue, é que isto lhe acontece
quando não há mais sombra do seu grito.
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Maio
ÁGUA OU CHAMAS?
Francisco Miguel de Moura
A vida é água, eu sei, mas também cal,
também areia e ferro e outros minérios,
e o tempo em que o mar prepara o sal,
e o espaço embaralhado dos mistérios.
A vida, muito mais que o bem e o mal,
é o amor e os sentires deletérios:
É o vício, a escravidão, e um cipoal
de paixões que falece em seus impérios.
Volta a vida ao escuro onde é nascida,
qual verme da "verdade perseguida",
pelo canto encantado das sereias.
Porém a confissão incompreendida
d'alma, e o canto ou grito da partida
serão cinzas do lume das candeias.
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Junho
DÚVIDA
Francisco Miguel de Moura
Oh mistério! Não creio... Sou obtuso.
É, muitas vezes me recuso a crer
que se tenha nascido pra morrer.
Será determinismo o que recuso?
A própria vida às vezes eu acuso
porque me faz gozar, me faz sofrer...
E é mais triste que possa parecer
o sofrer do inocente... Estou confuso!
Se Deus existe, tudo me faz crer
que seu orgulho sádico é tão forte
que só nos cria para o seu prazer.
Mas outras vezes penso d'outra sorte:
- Um velho Deus, coitado, a padecer,
Arrependido por ter feito a morte.
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*Sonetos de Francisco Miguel de Moura, integrantes do "Calendário de 2008", organizado pelo poeta e contista Edson Guedes de Morais, residente em Recife - Pernambuco.
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