domingo, 16 de novembro de 2008

IMENSA ASA SOBRE O DIA


Francisco Miguel de Moura*



Há séculos que não escrevo crítica literária por falta de estímulo. Traduzindo: falta de espaço para publicação. Até recebo boa literatura e leio o que acredito mais importante. Por isto, embora tenha recebido há bastante tempo o livro de Antônio Mariano, cujo nome é o deste artigo, só agora faço estas notas. Conheci-o desde 1991, com seu livro de poemas “O gozo insólito”, quando escreveu um artigo sobre meus “Poemas ou/tonais”, com o lírico título de “O resgate da suavidade do outono”. Na época assinava Antônio Mariano de Lima. Agora me vem “Imensa Asa sobre o Dia”, contos, que leio com gosto e proveito, acompanhado de um livro de poemas, “Guarda-chuvas Esquecidos”.

Antônio Mariano trabalha seu conto sem pressa, escolhendo bem o que deve dizer. E diz muito bem em poucas palavras. Literatura. O personagem deste seu livro de contos, em todas as peças, é o mesmo Jailson, que vai assumindo várias personalidades, em diversas circunstâncias. Neste e naquele sentido, faz lembrar um pouco “Vidas Secas” e o conto “Um Ladrão”, de Graciliano Ramos. E por falar no mestre Graça, escolho apenas o conto “Herói por pouco tempo”, para o comentário específico, tendo em vista o espaço que me é dado.

Doutra forma poderia estender-me por diversas páginas, ferindo outras excelentes peças, pois tão profundo e singular é o “Imensa Assa Sobre o Dia”. Não quero dizer que o conto aqui escolhido é o melhor, nem posso. Os contos de “Imensa Asa...” formam uma coluna, um bloco, um todo. Antônio Mariano dá um salto enorme da poesia para o conto e o faz com destreza, de maneira leve como os trapezistas em suas performances no circo. Tem uma maneira hábil de contar. Escolhe os mais diversos temas e o faz com sarcasmo e humor, além da constante sensualidade – o mais verdadeiro estado emocional do homem. Vai arrancando da alma de seu personagem (ou suas personagens) a imagética da solidão, do grito em silêncio, da tristeza e impotência. Leve- se em conta que o Jailson aparece como pai de família, filho, trabalhador, herói, bandido, matuto, citadino e mito, entre outras formas que a vida assume. Aliás, a família é uma constante dentre os seus temas e estórias, dela faz uma análise rigorosas, muitas vezes cruel, mas sempre no sentido de encontrar sentido para o que acontece com o ser humano no referido contexto.

Do conto “Herói por pouco tempo”, escolho este trecho como pequena mostra do desenvolvimento de sua escrita: “Tudo vai se processando muito rápido na cabeça de Jailson. Quando consegue recuperar a bolsa, como não tem dúvida que o faça, é de se vislumbrar a possibilidade de uma recompensa. Não é preciso muita coisa, tome cinco reais, moço, para a cervejinha, não, que isto não aceitará. Não espera grande prêmio, um beijo no rosto, ela se oferecendo para deixá-lo em casa de carro, antes uma rápida passagem num bar do caminho, uma bebida para relaxar, esfriar o sangue, uma conversa animada, o selo de uma grande amizade. Nada disso passa pela cabeça dele, que Jailson sabe o seu lugar. Não quer muito. Só o bastante. Um aperto de mão basta (como deve ser macia aquela mão!), um sorriso, um muito obrigado, moço, puxa, nem sei como lhe agradecer. Isso, e bastará. Jailson será o mais feliz dos mortais.”

Não contarei a história de Jailson nesse conto. Operário da construção civil, observa ele as damas passando na avenida. Presencia o drama de assalto à bolsa de uma dessas damas. O ladrão lhe parecera um sujeito de sua mesma compleição física, uma espécie de sósia. E Jailson persegue o meliante até o desfecho do conto.

Mas não devo contar esse desfecho, perde a graça. Os leitores já podem imaginar do que trata “Herói por pouco tempo”. E, diante da transcrição, vêem como é o estilo de Antônio Mariano: – Linguagem desatada, imaginação rica, tramas bem urdidas e tratadas. Finais nem sempre surpreendentes como nas anedotas. Um livro que bem requer novas leituras. Antônio Mariano, que se mostrara antes um poeta de ótimos recursos, agora surpreende como um contista de mão-cheia. Vá em frente, poeta, e a história estará do seu lado como escritor.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, Piauí. Email: franciscomigueldemoura@superig.com.br
Observação:
A foto de Antônio Mariano foi copiada do sítio www.antoniomariano.com e as capas dos livros diretamente de exemplares que me foram oferecidos pelo autor

Um comentário:

Antônio Mariano disse...

Caro Francisco Miguel, grato, muito grato por seu texto sobre o livro de estréia como contista. Já tenho outro na gaveta virtual que deve vir à luz no próximo ano. Repetindo a você, diria que também prossiga como criador e crítico, pois sua leitura de mundo muito nos acrescenta.

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