terça-feira, 27 de maio de 2008

A PAIXÃO


João Erismá de Moura*

O tema a ser comentado faz parte da história da humanidade desde os seus primórdios. Cientistas mundiais em seus abalizados estudos asseguram que o cérebro primitivo, através do hipotálamo é o responsável pela manifestação do desejo e do interesse sexual, regulando as respostas emocionais e afetivas no comportamento humano. Cientificamente está provado que o neuro-transmissor chamado feniletilamina é o grande condutor da paixão. É fato que a paixão se manifesta em todos sentidos do corpo humano. A visão é responsável pela fonte de inspiração, o desejo, o interesse por alguém; a audição, através de uso de frases, sons e canções amorosas causa uma excitação determinante no ser humano; o tato proporciona sensações de prazer e satisfação; o paladar é a base do prazer, sendo a língua uma das partes mais sensíveis do corpo, e o olfato o sentido que transmite as fragrâncias expelidas pelo parceiro despertando interesse e sensações prazerosas. Biologicamente, em resumo, eis a paixão.

Nós, seres humanos, sem distinção, experimentamos, naturalmente, esse sentimento prazeroso, arrebatador, descontrolado e contínuo. É inerente, aliás, a todo ser vivo. A paixão se apresenta em três fases segundo os estudiosos. São elas: a luxúria, que é o desejo ardente por sexo. Período curto com relação geralmente passageira; atração, envolvimento emocional, acompanhado por fases de conquistas evolutivas; e, ligação, relação calma, duradoura e madura.

O homem é mais suscetível aos encantos da paixão. A mulher é mais passional. Normalmente, a duração do período apaixonado é variável entre dezoito e trinta meses. Algumas paixões não passam dos seis meses de convivência. Outras permanecem até a separação dos companheiros com a morte. A história nos deixou belas páginas apaixonadas que se tornaram obras literárias, filmes, e músicas inesquecíveis.

Atire a primeira pedra aquele que não passou por uma grande paixão. Quem não se recorda daquela atração infantil por uma colega de sala de aula, quando experimentamos as primeiras sensações de desejo, de conquista, de ser aceito por alguém? A primeira preocupação com a aparência, o cuidado na apresentação pessoal, a alegria em vestir uma roupa nova para exibir-se frente à pretendida? Lembramos do estímulo e a ansiedade de iniciarmos uma semana escolar com prévia intenção de rever a pessoa querida. As noites de insônia pensando em alguém nos inspiravam belas poesias e declarações de amor noturnas, inscritas em nossa imaginação e jamais declaradas à pessoa amada. É provável que nesse período tenha ficado gravado em nosso subconsciente a maioria de nossas paixões, muitas delas platônicas.

Na adolescência, quando vivenciamos a fase da quantidade em detrimento da qualidade passamos por um período de paixonites agudas. São experiências traumáticas proporcionadas pela nossa intensa imaturidade. Aí já existe um envolvimento psicológico muito forte no sentido do conquistar, do experimentar o sexo, propriamente dito. É a fase do conhecimento, da descoberta do parceiro. Nesta etapa enfrentamos algumas decepções amorosas que podem deixar marcas profundas na formação da nossa personalidade e principalmente no campo sentimental.

Por outro lado, nessa fase o jovem se envolve com ferramentas apropriadas para a conquista do parceiro. O primeiro carro, as roupas de grifes, as viagens, os ambientes de glamour freqüentados, a ostentação dos bens materiais, enfim. O objetivo principal com a prática dessas ações é tirar proveito na competitividade, é a auto-afirmação, é ser aceito na sociedade. Parece que hoje o significado da conquista segue um sentido diferente. Os valores anteriores sofreram grandes modificações. A paixão anda um pouco esquecida, apesar de ser a seiva do amor na maioria dos relacionamentos humanos. Claro que existem muitas diferenças entre a paixão e o amor, embora uma seja a complementação do outro. Existem ligações intrínsecas. A primeira manifestada numa emoção forte e incontrolável que domina até a própria razão. O outro sentimento traduzido numa atração afetiva ou física entre semelhantes. Como se diz popularmente: “a paixão é o tempero do amor”.

A paixão amorosa se revela num sentimento impulsivo de aproximação entre sexos opostos (respeito possíveis exceções) traduzido no desejo de estar próximo, querer, amar e gostar continuamente. No período inicial sentimos uma atração pela pessoa e, às vezes, descontroladamente, cometemos exageros em nosso comportamento. O cérebro estimula algumas mudanças em nossos hábitos, tais como: vaidade exagerada, necessidade de comunicação e vontade da presença física do companheiro, enorme atenção, carinho e compreensão para com a pessoa amada. Não medimos esforços para agradarmos nossa paixão. Respiramos um ar de felicidade e contentamento.

No relacionamento apaixonado há uma reciprocidade acentuada na troca de confidências e responsabilidades. Os gostos se confundem, os problemas parecem mais fáceis de resolução. Os ambientes de encontros e prazer são inesquecíveis. O trabalho e as conversas passam a ser interessantes. É um período fértil de produção em diversos campos. Parece haver um clima de felicidade e prazer em cada momento.

Os encontros, alguns furtivos e reservados, se traduzem em momentos prazerosos. O tempo parece passar despercebido. Cada local freqüentado tem uma história para ser narrada. O apetite diminui, a libido aumenta, alguns compromissos são desconsiderados, o ambiente externo não tem tanta importância, o hoje se vive intensamente, há um brilho acentuado no olhar. Estas são algumas das características do período em que se vive apaixonado.

Infelizmente, na história da humanidade registraram-se acontecimentos envolvendo amantes apaixonados que tiveram desfechos trágicos. Muitos livros, filmes, peças teatrais e músicas retrataram momentos de fraqueza de seres humanos que não souberam conduzir uma paixão até o seu final. A vida real também nos oferece casos semelhantes.

O inconformismo do homem com tudo que lhe cerca denota uma vontade de sentir a conciliação entre a paixão e o amor. O ideal seria que todos os casais vivessem eternamente apaixonados, condição essencial para a manutenção de um lar harmônico e feliz. De certo modo devemos usufruir das paixões que se nos apresentam. Sejam elas pelo amor a Deus, pela nossa amada, pelo nosso projeto de vida, pelo nosso trabalho, pelas nossas conquistas, pelo nosso lar, pelos nossos filhos, pelos nossos amigos e pelos nossos entes queridos que já nos deixaram.

Como já cantava o poeta Vinicius de Moraes com os versos da bela música As cores de abril: “Ser feliz é viver morto de paixão”.

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* João Erismá de Moura, brasileiro, cronista, formado em Direito, professor, funcionário público federal aposentado, mora em Brasília-DF.

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