quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

LEITURA DINÂMICA, O QUE É ISTO?

LEITURA DINÂMICA, O QUE É ISTO?

Francisco Miguel de Moura*

O título talvez não chame muito a atenção do leitor, mas por outro lado é comum no uso da mídia, especialmente para intitular notícias pequenas, resumidas. Mas leitura rápida, aqui, tem outro sentido, que é o de leitura dinâmica: uma maneira de ler desses tempos de capitalismo selvagem, entre os executivos. Há cursos de preparação para ela. Apropriada mais para documentos de repartição e papéis burocráticos sem nenhuma profundidade, ou que tenham pouca duração no seu transcurso.

Tenho exemplos de velocidade na leitura de textos, no mínimo, curiosos. Começarei com o famoso escritor Graciliano Ramos, um clássico das nossas letras, romancista, contista, cronista, jornalista, mas não só isto. Atuou também na política, tendo sido o Prefeito de Palmeira dos Índios-AL. Durante o mandato escreveu um famoso relatório que ensina, até hoje, como se comportar bem com as contas públicas, cujos ensinamos parece estarem mais e mais esquecidos dos nossos homens públicos.

Pois é o mesmo Graciliano Ramos quem conta em suas “Memórias do Cárcere” que, durante a viagem para a prisão política na Ilha das Cobras, na ditadura Getúlio Vargas, condenado que fora pela Polícia Política por suas idéias discordantes, ia lendo no navio um dos seus livros. Atrás dele ia outro condenado à mesma prisão e tentava lê-lo ao mesmo tempo em que ele, porém Graciliano – o autor do livro – demorava muito a virar a página; o companheiro, já nervoso por esperar para não perder o fio da meada, pedia que mudasse para o outro lado da folha. O mestre, então retorquiu:

- Não posso, ainda estou na metade da página.
Lembrei-me do caso, ao ler uma entrevista de “Veja” onde o Sr. Luiz Otávio Batista, Presidente do Tribunal de Apelações da Organização Mundial do Comércio para o Brasil, diz que lê cerca de 60.000 págs. de processos por ano, média de 100 por hora, e acrescenta: “Quando vou para a Europa leio romances de 600 páginas na viagem e ainda encontro tempo para dormir.” Na entrevista está escrito que ele fez muitos cursos de leitura dinâmica e se preparou para isto, de muitas outras formas.

Ainda assim, não sei como fazer-se uma leitura dinâmica de romance e de outros tipos de literatura, mesmo livros técnicos ou teóricos, embora seja em releitura, eu que tenho tido tempo para ler centenas de romances e outros livros.

Será que esse tempo de velocidade também não é uma violência? Isto será inteligente? Certamente não, faz é embotá-la pela transgressão do que é normal no ser humano. O fato de o Presidente Kennedy ler o “New York Times” (de domingo) em 4 segundos, segunda consta do anedotário sobre o assunto, se não pode ser considerado bazófia, devemos dar o desconto de que os políticos lêem muito pouco e somente os lugares assinalados por seus assessores.

Será que os cientistas, os sábios, os filósofos, os grandes mestres lêem assim? Mesmo tendo uma capacidade superior?

“A pressa é inimiga da perfeição”, sabemos.

Dessa forma, quanto ao sistema de desenvolvimento atual, que não respeita a natureza, os rios, as florestas, a própria atmosfera com a queima de tantos gases, enfim – tem seus dias contados por ser um desenvolvimento não sustentável. Tomara que o planeta não vire antes um deserto inabitável por nós.

Infelizmente, no sistema escolar de hoje, passam tantos livros para os alunos, tantos trabalhos, tantas leituras suplementares que os sobrecarregam por demais. Não acredito que isto seja didático para estudantes que não tenham o discernimento de separar o joio do trigo, escolhendo ler apenas o essencial.
Uma leitura inteligente serve para dar discernimento, instruir e educar; faz pensar, refletir e agir com acerto; traz ao espírito paz, esperança e amor. Nenhuma leitura será para afligir, cansar, exigir ou prestar serviços tão duros que o leitor seja obrigado a “enrolar”, “engolir” pedaços, quer se apelide ou não tal expediente de “leitura dinâmica”.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro.
E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br
E site: franciscomigueldemoura.blogspot.com

Um comentário:

Franklin Morais Moura disse...

Muito bom o texto.O ato de ler, acredito, pode ser mecanizado, mas a internalização da leitura tenho a impressão que não. A leitura dinâmica e o estímulo a ela é só mais um dos males do consumismo da pressa do estresse do modernismos. "Se a pressa é inimiga da perfeição, também devemos ter quantidade com qualidade". Isto é equilíbrio. Outro aspecto interessante é que a leitura requer concentração e isto também é treinável.Por uma leitura de qualidade.

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