domingo, 6 de janeiro de 2008

A CRÔNICA DA VIDA

A CRÔNICA DA VIDA
De todas as horas

Francisco Miguel de Moura*

Uma historinha que bem ilustraria o ditado de que “a palavra é prata, mas o silêncio é ouro” é aquela d“O homem, o menino e burro”, bastante conhecida, cujo personagem não conseguiu agradar o povo. Quis ouvir todas as sugestões das pessoas com quem encontrava. Montar os dois no burro? Montar apenas o menino? Ou apenas o homem? Ou ninguém (ir puxando o animal)? Chegou nosso personagem ao absurdo de levar o animal às costas e mesmo assim não contentou ninguém.
Essa fábula não casaria bem com os nossos tempos porque hoje as criaturas vivem insuladas em seus apartamentos, olhando seus próprios umbigos, portanto, ensimesmadas e mudas. É silêncio imposto, doentio. Têm medo de procurar as pessoas não conhecidas para um diálogo. Egoístas e muitas vezes mal-educadas, é comum quando alguém tem um encontro na rua, com outra pessoa que lhe dê um pouco de atenção, com ela entabula uma conversa interminável sobre o mesmo assunto, geralmente de si mesmo, sem querer saber do interlocutor. Suas doenças, seus negócios, suas aventuras, seu problemas tomam todo o tempo do encontro. O “interlocutor” quer falar, mas é, a cada passo, interrompido e termina desestimulado de dizer o que sente. Sentir, amar... A vida quer nos proibir. Em lugar, uma troca pelas atividades chamadas “práticas”, mas frias e maquinais. Sorte é quando ao menos se encontra alguém com uma anedota ou que diz uma frase picante. Exemplo: “Dinheiro e sexo, quando se fala muito neles é porque estão faltando”.
Chatos são os “diálogos” hiper-modernos, comumente transformam-se em monólogos. Se as pessoa se entendem? Só pelo silêncio. Ou quando avançam pelos mexericos, zombarias, xingamentos e terminam por se desentenderem. Pouco a pouco é que nascem a intriga, a inveja, a rixa, a separação, o ódio, a luta, os crimes, os atentados de morte e as guerras. A criatura, então, volta para casa chateada, para a televisão, um mal menor, porém que vicia, obnubila e não dá direito à palavra. Existe a alternativa da leitura. O livro, o artigo de jornal e revista ou mesmo a internet podem aliviar-nos. Mas, no fundo é sempre a falta de comunicação que pega o homem e o deixa triste, desiludido, doente. Escrever é minha forma de dizer sem ser interrompido. Converso com os leitores e digo-lhes o que normalmente eles desejam: analiso, critico, questiono, elogio. Trabalho com muitas vozes. E meus leitores têm a liberdade de escrever-me em aprovação ou não, propondo novas interpretações e acréscimos ou consertos. Liberdade de pensamento e expressão, pois. É preciso muito cuidado, pois grandes estragos a palavra pode causar às pessoas através de maus agouros, de fuxicos, do falso testemunho e até pela enumeração das doenças e mortes, dos dramas e das tragédias pessoais e familiares. Também o “corte” da palavra de alguém que conta sua história, seja referente a si próprio ou a outrem. Quem assim age não se recorda mais de que “a palavra é prata e o silêncio é ouro”, base desta crônica, assim como o silêncio em vários casos também é mais eloqüente do que a palavra. A crônica da vida é feita de palavras e dos seus silêncios.


___________________________
*Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, mora em Teresina-PI.

VISITE o site: franciscomigueldemoura.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...