terça-feira, 1 de setembro de 2020

VISITANDO MEUS MORTOS - SINHÕ DO DIOGO


                                  Fotos de Sinhô do Diogo e Rosa - Miguel e Josefa

                                                                                              

                                          Francisco Miguel de Moura*


        Há dias que não escrevo em prosa, dedicando-me apenas à poesia e a diversas leituras, inclusive da Bíblia. Hoje, porém, tive que suspender tais afazeres para escrever esta pequena crônica de saudade e de dor, sobre muitas coisas que me martelavam aqui dentro.

        Em primeiro lugar, por ter recebido a notícia da morte de Tio Toinho de Sinhô do Diogo, residente em Francisco Santos-PI.    Deixando estas notícias dolorosa por mais um pouco de tempo, veio em mente nosso saudoso e conhecido Jenipapeiro, onde o velho Sinhô do Diogo, meu avô, estabeleceu-se. Sua prole foi de 11 filhos, sendo 4 (quatro) homens e 7 (sete) mulheres, cujos nomes estão em meu livro “Miguel Guarani, Mestre e Violeiro", totalmente esgotado, do qual fiz lançamento em Francisco Santos, Santo Antônio de Lisboa e  Picos.

        Sinhô do Diogo veio de onde e por quê?  Já saberá quem me venha a ler minuciosamente. 

    Feliciano Borges de Moura, seu nome completo, nasceu e criou-se na localidade Cabeças, do município de Picos. Já homem feito, partiu de lá não se sabe por quais aventuras e chegou em Jenipapeiro, fixando-se no lugar que depois se chamaria Diogo, acrescido da palavra Sinhô. No Diogo, casou-se com Rosa Maria da Conceição, na verdade Maria da Conceição Rodrigues, filha de Quincas Rodrigues (ou Chaves), descendente do tranco das duas primeiras famílias de Jenipapeiro (Rodrigues, Sousa, Chaves e Silva).

        Acrescente-se que a localidade Diogo situava-se do lado direito do rio Riachão. Também, mais ou menos na mesma época, um moço, de nome Simplício Pereira dos Santos, nascido em Picos,  da mesma forma que Sinhô do Diogo, se aventurado para as bandas do Vale do Riachão e estabeleceu-se á margem esquerda do rio Riachão – naquele tempo tudo município de Picos. Aquele local onde morava e viviam os filhos de Simplício Pereira era conhecido na época pelo apelido de "Pereiras", ou seja, o "Diogo dos Pereiras", que, com muito tempo passou a ser chamado de Diogo II. Ele casou-se, em primeiras núpcias, com uma moça que era filha dos descendestes de Mãe Ana, ramo dos Sousa, minha bisavó materna, de cujo consórcio nasceram muitos filhos, entre os quais o que viria a ser o Coronel Chico Santos (Francisco de Sousa Santos, casado com Balbina de Moura Santos), que dominou Picos, por muitos anos, por sua riqueza  e habilidade nos negócios e nas amizades. E, em segundas núpcias, Simplício Pereira dos Santos casou-se com uma parenta, também das famílias primitivas de Jenipapeiro, era o Zuca Chaves (ou Sousa). Isto está na história do “Município de  Jenipapeiro”, escrita pelo Pe. Mariano da Silva Neto, um primo em segundo grau,  de minha mãe, da família dos Silva, que também faziam parte daqueles dois casais de baianos que colonizaram a terra, sendo que muitos descendentes deles seguiram desbravando rio abaixo e rio arriba, pelos lugares denominados de “Riachão” e “Rodeador”, respectivamente hoje ditos “Mons. Hipólito” e “Santo Antônio de Lisboa”, municípios independentes do meu Piauí.

        Agora, sim, vem a explicação de como Feliciano Borges de Moura tornou-se Sinhô do Diogo. Chagando ali, fez roças para a lavoura e criou animais (jumentos, burros e cavalos, tão necessários para transporte e viagens, naqueles tempos, ao lado de gado vacum, ovinos e caprinos, sem dispensar os suínos e galináceos. Na sua casa não faltava nada. Nos natais e fins-de-ano havia sempre festas com matanças de animais (bois e porcos sevados para este fim), quando convidava seus amigos de perto e de longe. Lembro-me de uma coisa bonia: músicas (harmônica) e danças dos casais ali reunidos. Não esqueci jamais da iguaria chamada chouriço que era servida para todos. E nós, crianças, seus netos, comíamos até ficar de bucho inchado.

        Quando chovia, todos os filhos e filhas iam para a roça, semear, limpar e colher. Todos pegavam no cabo da enxada, como se dizia. Assim, na plantação e na colheita. Mas não era só isto. Meu avô foi um grande trabalhador, no verão, fazendo as vazantes:  Era o cultivo do alho e da cebola no leito do rio. E antes, na época das chuvas, fazendo roças num lugar bem distante, batizado de “Caldeirões”.  desbravando aqueles sertões de Piauí até encontrar-se com as divisas do Ceará, cultivando e colhendo imensas safras de farinha de mandioca e feijão. E se mais não fez, foi por falta de tecnologia que naquele tempo ainda não existia, para perfurar poços. Ao chegar no sítio “Caldeirões”, ele encontrou uma espécie de terra com algumas rochas, onde construiu os caldeirões que guardavam água das chuvas alguns meses. E ali se estabeleceu, ficando até terminar as desmanchas (farinhadas), para vir para a beira do rio onde plantava suas vazantes.

        Lembro-me bem: Quando ainda menino estive nas desmanchas (hoje chamadas da farinhadas), tempo muito animado. Eu outro primo, o Chico de Sinhô, neto que ele criava, da minha idade, percorríamos as roças,  indo  até longe, com o perigo de nos perdermos, na chapada. E assim, mais distante daria para avistar o que chamávamos de morros. E sonhávamos para que meu avô chegasse até lá, para subir e aumentar a paisagem à nossa vista.

        Outra coisa que me marcou mito foi aquela de quando eu ficava com meu avô:  Durante as férias, meu pai voltava para Aroeiras do Itaim, onde era professor. Eu, que já sabia ler, encontrei nas suas malas e baús de meu avô, alguns livros de Castro Alves e Casimiro de Abreu, e também um “Manual de 100 Cartas de Amor”. Então me abeberava em leituras que não a da escola, o que muito me aprazia. De passagem, diga-se que o velho Sinhô do Digo era apenas alfabetizado. Ensinou a Miguel (meu pai), as primeiras letras e lhe deu o encargo de passar essas mesmas primeiras letras aos demais irmãos e irmãs. Sinhô do Diogo, escrevia muito pouco, e ainda com muitos erros de ortografia. Percebi, ao ler algumas cartar que me escaparam do envelope: Seriam cartas e respostas que ele recebia e fazia a outros amores que não ao de minha avó Rosa. E, já no final da vida, de uma dessas suas paixões, nasceu a última filha fora do casal, mas sempre por ele considerada como filha legítima, embora nem toda a família aceitasse tal coisa. Mas ele era o Sinhô do Diogo, isto é, quem mandava nos filhos e filhas, assim como nos genros e nas noras, com muito amor à sua maneira.

        Outra lembrança forte é que ele gostava muito de caçar e era sempre bem sucedido, sempre voltava com alguma caça. Eram tantos os animais que caçava, de tatu a tamanduá, de veado a onça pintada, que chegando em casa e tratando-as com carinho enchiam uma corda grande ao sol, cuja carne servia para muitos almoços. Outra característica é que quando saía para caçar levando, espingarda, chumbo e todo adereços necessários, levava sempre a cabaça de água para matar a sede. E se espraiava pela mata e só voltava quando tivesse o resultado da caçada. Deixava a cabaça de água debaixo de uma árvore frondosa, aventurava-se por todos os lados, bem distante, e nunca perdia a noção de onde deixara a água e alguma comida na mochila. Só voltava para casa de manhã, trazendo caças miúdas e até veados e onças, que ainda existiam naquele tempo. Mais eu teria a dizer, para contar tudo, mas preciso escrever um livro,  que não tenho mais tempo nem forças para fazê-lo.

______________________

       *Francisco Miguel de Moura, autor desta crônica, é poeta, contista, cronista, romancista e crîÍico de literatura.
  Mora em Teresina, PI, Brasil.

2 comentários:

Unknown disse...

É gratificante saber um pouco mais sobre a vida dos nossos antepassados, parabéns pelo belo trabalho.

Julio Cesar da Silva disse...

Grande texto. Sou muito entusiasmado para conhecer meus antepassados em francisco santos. Gostaria de conhecer mais sua obra, como faço para ter acesso?

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