quinta-feira, 9 de junho de 2016

TEMPO DE LEMBRAR AS PEQUENAS COISAS

Francisco Miguel de Moura 
Escritor, membro da APL-Teresina-PI

           Aproxima-se a data do meu natalício (16 de junho), completo 83 anos de existência, o que não é pouco. Mas também não acho muito. Quero transmitir alguns pensamentos a outras pessoas, alguns já expostos em meus livros, através de personagens. E, como é sabido, personagens são ficções, não me mostram, como diria, num justo retrato ou imagem. Eles me traem. E agora eu não quero traições.  Sendo escritor, não é pecado escrever sobre mim, nada para elogiar, talvez só para desabafar. Se procurasse algum amigo para uma conversa talvez fosse difícil encontrar. Este é um dos problemas dos velhos: os amigos foram embora, uns para terras distantes, outros para o paraíso. Uns são surdos ou não têm telefone ou celular, outros estão doentes e desconsolados, por isto já quase não falam nem sequer aceitam visitas. 

           Ainda bem que sou escritor, penso nos meus leitores. Uma boa parte já me conhece, sabe e não me estranha. Nem a minha figura popular e humilde, nem a franqueza com que expresso minhas opiniões, algumas já misturadas com os pensamentos aprendidos nas minhas leituras. Nestas palavras não me exalto, nem tento fazer minha própria biografia. A biografia de um escritor são suas obras. E estas eu já as tenho para pesarem na avaliação que me façam no futuro. Além de meus poemas, minha mais encontrável obra está nestas páginas de artigos e crônicas que o jornal “O Dia” me vem publicando aos sábados.  Pois, de algumas coisas estou certo: Não há nenhum escritor capaz de escrever sua autobiografia, justo porque ela mostraria as coisas grandes, as melhores, deixando as pequenas de lado, como se não existissem. Num arremedo autobiográfico, escrevi um soneto, que está ali ao meu lado, pregado na parede. Título: “Quem eu sou?

Quem eu sou? Impossível responder
sem confundir o ser com o ter sido,
com o vir-a-ser, com o nunca ter nascido.
Sei o meu nome, é todo o meu saber”. 

           Mas, no final, arremato assim:

 “Não sei mentir, por isto é que me invento.
E com a força que vem do sentimento, 
não passo de um menino que se adora”.

        Vaidades! São coisas pequenas. “Vanitas vanitates vanitas!” Vaidades eu tenho, você tem, querido leitor. Quem não as tem?  Então, por aqui continuo. Constam algumas coisas, dos autos de minha memória, com relação aos primeiros eventos da infância, que não gostaria de repetir sempre. Ficou o medo de ser reclamado, de ser agredido, de ser castigado, o medo de receber palavras que não me agradassem. Mas uma frase vai aqui neste relatório bem honesto:

         - Oh menino chorão, oh menino feio, Zefa! Ele puxou ao pai.

         Zefa era minha mãe. Certamente era muito bonita, como atesta o retrato que tenho aqui na parede, junto a meu pai, como se fosse um casal bem unido. Normalmente as fotos mentem. Tanto quanto à beleza como quanto ao que realmente apresentam de alegria ou tristeza.

         Com quem eu haveria de parecer senão com meu pai? Poderia também “puxar” à minha mãe. Mas não, eu saí feio e feio continuei sendo: coisas do destino, coisas de Deus. Mas se fosse bonito não seria um bom poeta, isto eu tenho quase certeza. Certeza? Mas aquém tem certeza de nada? Nem do passado, do presente, ou do futuro.

         Feio, sim, mas fui um menino bastante estimado pelas famílias de meus pais. Pouco ouvia frases desagradáveis. Constantemente ia passar dias na casa de meu avô “Sinhô do Diogo”.  O outro avô, Chico Ana, não conheci, mas me lembro de meus tios e tias. Com saudades. Da minha infância. Na casa de meu avô era tratado com muito regalo, tinha um quarto onde dormia na minha rede – pena que, de manhã, me levantava todo mijado. Talvez fosse uma deficiência minha, no aparelho urinário. O outro neto, depois de mim, era o Chico de Sinhô. A gente brincava nas roças e capoeiras, ia até o rio e tomava banho, caçava passarinhos, comia frutos do mato: os melhores eram os frutos de imbu e xiquexique, depois vinham cajá, pitomba, juá, carnaúba e mandacaru, quando era tempo. O almoço era carne de tatu e de outras caças.  Sobrava tempo para tudo. No de inverno a gente tomava banho de chuva; quando a chuva ia embora, passava o tempo jogando pedras no caldeirão e vendo a água subir fazendo aquele barulho. E nós dizíamos: Fulano. Eram os sepultados na água, os que não eram do nosso agrado. Também fazíamos cavalo de pau para brincar, depois que levava os animais para beber no rio. Tudo isto era uma delícia. Para menino não há tempo ruim. Comia, corria, dormia, fazia “malinações”, levava ralhos dos mais velhos, mas ficava por isto mesmo.

        Depois, crescido, já na escola – meu pai era o mestre – ouvi algumas pessoas e colegas me elogiarem, porque eu aprendia rápido: 

        - Ele é inteligente como o pai. Vai ser mestre também.  

       Já começavam a me respeitar. E ficava envergonhado ora se!... Nunca me achei inteligente assim, para tanto destaque. Por ser tímido. Medroso igual a mim ainda estou por ver outra pessoa. Mas naquele tempo era tudo muito simples. Hoje parece que há muitas complicações, mas continuo a dizer que a vida é muito simples. Não precisamos de muito. Ela é a pequena-grande coisa que recebemos de graça. Por isto é dever conservá-la e amá-la até o seu limite. Sou inteligente, é? Mas não tenho certeza de nada. Quem sabe do futuro? Se o homem soubesse do futuro, o futuro não existiria. Deus existe, disto eu sei, mas não é uma entidade criada a nossa imagem. É a sabedoria, é o espírito santo e é também o filho (que sempre existiu). Somos uma partícula de Deus. Nossa alma, nosso espírito, nosso “eu”. Então, que sabedoria temos, se não conhecemos nem a nós mesmos?
                                                                        

                    (Artigo-crônica publicado no jornal "O DIA" , Teresina, PI-BR, 11/06/2016)

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