sábado, 2 de abril de 2016

FASES E FRASES, ENQUANTO O TREM NÃO VEM...


Francisco Miguel de Moura*

   “Jamais me sentirei feliz se, em o sendo, possa tornar os outros invejosos” – começo com esta frase de Ascendino Leite, grande escritor brasileiro, nascido na Paraíba em 21-6-1915, falecido em João Pessoa há alguns anos. Ele morou muito tempo no Rio, por força de sua profissão de jornalista, e é autor de um dos mais belos e imensos diários de memória entre os brasileiros. Compara-se-lhe aos grandes memorialistas franceses, ou aos mais evidentes da atualidade de qualquer parte do mundo.       
          Parece-me que, em poucas palavras, ele sentenciou muito do nosso tempo, não somente em literatura e homens de letras. Que não devemos invejar nada de ninguém: beleza, saúde, riqueza, poder são cinzas. A vida exige tão pouco para que sejamos felizes! Nós é que a complicamos, baralhados nas coisas que nós mesmos fazemos e depois não sabemos com elas lidar. Comer, beber, ler, dormir, sonhar, eis tudo, em resumo, o que seria necessário para uma vida feliz. Como complemento, uma família grande e unida, bem estruturada faz um bem danado de bom. Melhor do que muito dinheiro no banco e nas financeiras, melhor que muitos títulos. Aqui falamos de títulos de papel, zinco, bronze, ou o que for. Essa história de que quem tem mais coisas materiais, bens que enferrujam, possa ser mais feliz, é pura balela apregoada pela sociedade edonista e consumista que vivemos.  E por falar em títulos, só há um título onde cabe o coração e alma de quem dá ou oferece: É o livro, é um título para quem faz, para quem recebe, para quem nele foi citado ou não, desde que o tenha lido e incorporado ao coração, à alma, ao espírito. Como diz Ascendino Leite, em suas memórias, “só o livro, na sua pequenês, é capaz de abranger o infinito”.
Mas, quando abrimos a maioria das redes de TV, vemos, a cada dia, a cada hora, o fausto do que possuem os artistas, os homens ricos, as mulheres poderosas, um monte de tolices. Digam-me mais: Por que é que os que adoram o futebol, não apenas gostam? Idolatria. Que vale um craque da bola que chega às várias Copas do Mundo?  Aos trinta, trinta e poucos anos são substituídos por outros garotos, que vão ganhar prêmios e mais prêmios, troféus e tudo mais. Por que gostam de vender montes de troféus, prêmios, camisas disto e daquilo e entulhar novamente os guarda-roupas (ou guarda lembranças) dos apaixonados? Tudo muda, tudo fica por aí, para o museu (que poucos apreciam) ou para o cupim. Se o colecionador faz aquilo é para invejar os que não participaram dos momentos importantes que eles representam e assim sendo tornam os outros invejosos. E as atrizes, mulheres bonitas e ricas, “poderosas”, que aparecem todo dia na tevê, dentro de poucos anos ficarão velhas e feias, esquecidas dos fãs, não importa quantos vestidos, os mais belos e os mais encantadores, tenham o seu guarda-roupa, com troféus dos filmes e novelas que fizeram, dos prêmios ganhos, etc. Boa parte termina no asilo de velhos e abandonados. Felizes são as que produziram e filhos e filhas, as que têm família numerosa e acabam seus dias junto dos parentes - dos que lhes sejam mais afeiçoados.
Lembrando que o escritor Ascendino Leite teve uma vida morigerada, trabalhou no eixo Rio/São Paulo, mas, aposentado voltou para os seus familiares, na Paraíba. Muito fez e reuniu em livros – uma espécie de “desaforismos” em série – tanto critica quanto elogia o homem moderno, os escritores artistas, os políticos de ontem e de hoje, embora não gostasse de fazer da política um prato diário. Para uns poucos são “aforismos” - “desaforismos”, para outros. Na mesma singeleza de linguagem, o que significa muito para o nosso tempo, estes já do livro “Aforismos da Precisão”, Idéia, João Pessoa, 2003, apresentamos frases suas. E também posso incluir frases minhas e de outros autores. Por que não? Há um ditado popular que nos lembra as coisas que comentamos, em anedotas, que podem ser sérias: “Dinheiro, riqueza e sexo, só são falados pelos exibidores, justamente porque estão lhes faltando”.  E é vero, se não é, deveria ser. Por que eu hei sair por aí dizendo que tenho muito dinheiro? Por que motivo iria sair propalando minha macheza e potência sexual?  Dinheiro e sexo andam sempre encobertos. Como verdade ou como mentira.
Ainda uma frase de Ascendino Leite: “A história do homem nos mostra que as vidas irredutíveis ou sem mistério são sempre vidas solitárias”, como eu diria que são as vidas de Hussefa e Mulalá, nas quais faltam confiança em si e amor aos outros. Esses sempre se saem mal na história.
Agora, meto o meu bedelho sobre essas filosofias, pensamentos em frases e fases, quando uma pessoa diz que não fala em política nem em políticos; não vota em nem participa. De duas, uma: ou essa pessoa vive num país onde não há democracia – é governado por ditadores - ou tem medo até de si mesma. O medo de ambos (ditadores e de si mesmo) lhes acerca sempre. Daí, como poeta, afiguro que vivemos num país sem direção nem governo – como os dois mencionados – governos que são gente fictícia. Daqueles que só desgovernam a si e aos outros. Não tenho medo.  Meu medo é dos homens que tem medo de agir bem, nas horas de paz, pois esses mesmos homens serão covardes na hora da batalha. E para terminar, lembro da frase de um radialista piauiense, falecido, cujo nome não me vem à memória, que dizia alto e bom som: “Eu não tenho medo do doido, eu tenho medo da doidice do doido”. Se essa é a nossa hora-fase, faço-a minha a frase do divertido jornalista.                                            
Nota: esta crônica foi publicada no jornal "O Dia", 9-4-2016, pg. 6 (Opinião), com o título de "Ases e Frases, enquanto o trem não vem" - Retificamo-lo aqui. O correto é o que titula esta página.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, na internet, jornais e livros. Procure inclusive nos "sebos". 

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