sexta-feira, 5 de junho de 2015

CONHECE-TE A TI MESMO E SERÁS UM SÁBIO

Francisco Miguel de Moura*
Autor             
                       

Diz-se que um sábio é aquele que ainda não sabe nem de si mesmo. Talvez seja começando pelos outros é que nos encontraremos.  Diante de mim, sempre tenho o mundo. E o mundo de um homem é terra desconhecida, donde tudo se pode esperar e aprender muito.

Da minha janela, manhã cedo, vi um homem levantar-se do banquinho de onde botava guarda a um estabelecimento comercial. As luzes ainda não se haviam apagado de todo, na cidade, e ele já tomava o seu caminho e eu o meu: desci à rua com o meu plano para o dia.

Ninguém sabe o rumo do futuro de ninguém, mas ele procurava alguma coisa. Ou alguém. Ia andando passo lento, bamboleante. Julguei que estivesse doente. Ou estaria bêbedo? Quem sabe se o estômago já ia bem de leve ao encontro do intestino, fazendo aquele movimento rouco de tripas secas? Não sabia aonde iria comer alguma coisa, um pedaço de pão dormido, talvez, apanhado ao acaso.

- Bom dia!

Não falou nem me olhou. Cabisbaixo, passou por sobre um rolo de papel de lixo e abaixou-se. Alegria nenhuma, tivesse achado algum dinheiro ou coisa preciosa, de ouro, por exemplo. Não levava nada na mão nem às costas. Para onde iria aquele peregrino? A vida tem muitos caminhos. Desci e tentei seguir, disfarçadamente, seus passos. Quanto mais me aproximava dele, mais ele se afastava, desci por outra viela. Depois parou no meio da via e falava consigo mesmo, ao que parece: “Eu sou o dono disto, eu faço o que eu quero... ouviu”? E outras frases assim. E quando me enxergou:

- Você é proprietário?

- Não.

Olhou-me rápido e disse:

- Eu estava era brincando. 

E continuou varrendo as folhas da calçada de um prédio onde funcionava a Caixa Econômica, sem ninguém mandá-lo, automaticamente. Que mais poderia dizer?

Não me despreguei do homem até o meio-dia.  Ele fugia lá na frente, eu o encontrava em seguida. Cansado, voltei. Ele não me seguia. Distanciei-me para que não me visse e entrei e fui almoçar. Mas aquela figura em minha cabeça...  Tirei um cochilo, acordei tossindo... E era como se o tivesse visto, num pequeno sonho, subindo uma serra tão grande que minha vista não alcançava o seu cume.

Levantei-me, estava de férias de meu triste ofício de escrever histórias e resolvi escrever mais esta.
“Não, não vou mais encontrar o homem”.

 Precisava conhecer mais gente, mais criaturas: cachorros, gatos, animais, papagaios, passarinhos, flores, arbustos, objetos velhos jogados no lixo. Principalmente gente. Era um feriado. Não iria encontrar mais ninguém, pensava, perdi o prato do dia, quando topo com uma velhinha puxando seu cachimbo, à sombra de um resto de telhado de casa abandonada. Ali montara sua tenda. Brincava de bonecas. Achei engraçado, para não dizer triste... E sentei-me numa pedra saliente do calçamento, quase atrás, só para ouvi-la.

Nada. Demorei mais. Nada. Resolvi:

- Como é seu nome?

- Hum?

- Como você se chama?

- Não tenho nome.

- Conhece alguém que não tenha nome?

- Conheço.

- Quem? Aonde?

Lá se vinha o homem magro de calças rasgadas, pretas, todo amarrotado, que vira varrendo calçadas de manhã, nas ruas por onde passava. “Ele se finge de vigia, durante a noite, para ninguém mexer com ele. De manhã, segue pelas ruas conversando sozinho”...

- Você também está conversando sozinha, não?

- Hum, hum! Eu estou falando com minhas bonecas, minhas princesas e bruxas, e elas brigam muito. Dá vontade de esganá-las.

- Por quê?

- “Quando vão deixar de besteira?” Podia fazer como gente: brincar de casar, ora! Eu sonho todas as noites, com o príncipe encantado.

- Você tem sonhos? (Ela era muito baixinha, como uma criança).

- Quando você crescer quer ser...?

- Não sei.

- Vai demorar muito?  Não quer uma casa, um cobertor, uma pessoa para lhe fazer companhia?

- Hum? Lá vem ele implicar com minhas bonecas, depois se aquieta e dormimos juntos e sonhamos.

Comer, a gente come quando alguém pode dar. A gente não tem pressa: um pedaço de pão aqui, um
café acolá, melhor que ter vida de cachorro... Já estamos bem vestidos.

Olhei-a de cima abaixo, sua roupa mostrava uma calcinha esfarrapada, através do rasgão da cintura de lado. E ambos dormiam todas as noites, até madrugadinha. Mudavam de lugar quando alguém mexia.

Triste, voltei para casa. Triste, vivo atormentado por tantas tolices, meu Deus! Por que não sou livre como aquelas criaturas? A resposta estava nas ruas, com aquelas pessoas simples.

           - “Ganhei ou pedi o meu dia?”, pergunto ao poeta Drummond.

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*Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras. E-mail: franciscomigueldemoura@gmail.com 

Um comentário:

CHIICO MIGUEL disse...

Nilda,
Vou conhecer, sim, seu blog. Hoje só vou dar uma vista rápida,porque estive doente de gripe e ainda estou meio empanturrado de medicamentos. Foi um prazer sua visita.
Mas eu tenho mais dois blogs: http://cirandinapiaui.blogspot.com e http://abodega do camelo. blogspot.com.
Abraço caloroso
Chico Miguel de Moura

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