quinta-feira, 16 de outubro de 2014

PENSAMENTO E PALAVRA: AÇÕES

Francisco Miguel de Moura - escritor
e membro da Academia Piauiense de Letras

         Os defensores da imagem dizem que “uma única imagem é superior a mil palavras”. Porém, eu acredito muito mais na palavra falada, escrita, gravada ou em qualquer forma que ela possa estar presente. Sem ela, o pensamento se limita, fica fragilizado, prejudicado. A palavra nos entra pelos olhos e pelos ouvidos e ainda sai, em resposta, pela boca. O trajeto da imagem é outro. O jornal “O Estado de São Paulo”, em artigo denominado “Nosso cérebro – excelente”, assinado por Airton Luiz Mendonça, publicou: “Um adulto médio tem entre 40 e 60 mil pensamentos por dia”. Pensamento e palavra são os motores das ações. E a melhor ferramenta para desenvolver o pensamento é a palavra, a língua e suas variações em dialetos Se transformada em arte, melhor ainda. A cultura e civilização de hoje parecem dar maior valor à imagem, dela usam e abusam nos meios eletrônicos de comunicação. Mas, o que se faz para explicar a imagem? Por acaso há alguma notícia completa sem palavras? Tente colocar a notícia de um crime apenas por imagens e verá que elas suprimem o pensamento, enganam, falseiam. As montagens estão aí para não me deixar mentir. Daí que assistir a um filme não substitui a leitura de o livro que tenha servido de inspiração para o cineasta. Normalmente o filme só mostra as situações plásticas, o resto é completado pelas palavras faladas ou legendadas. A palavra é essencial ao pensamento, à ação, à criação e à arte. Como os cegos imaginariam um romance? Um livro de história geral? A matemática mais avançada? Os mistérios das galáxias? Do universo que nos fica mais perto e de outros universos que possam existir por mais longe? “A sociedade humana, o mundo, o homem inteiro está no alfabeto”, disse Victor Hugo (1802 – 1885).

       Quando eu estava aprendendo a ler, gostava de decorar as palavras de um velho dicionário ensebado, editado em Portugal, que meu pai possuía: Dicionário Enciclopédico, de Simões da Fonseca, editado em Portugal.  Nele se encontravam desde palavras comuns quanto as de sentido próprio de países, lugares, cidades, pessoas ilustres pelo que fizeram em arte e ciência. Eu as copiava num papel, com seus significados, e as decorava.  Assim foi o meu primeiro aprendizado da palavra escrita. Foi isto que me fez pensar e me tornar poeta. 

         Mas, entre os livros de civilização, em primeiro lugar vem a Bíblia, porque, segundo a tradição cristã, “ela é a palavra de Deus”.  No Evangelho de São João está escrito: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus... (João, 1,1). E continua afirmando que “tudo foi feito por ele, a luz e as trevas, e sem ele nada foi feito”. Por este caminho, o mundo humano, a cultura e a civilização começaram com o verbo e terminará quando ele, “o verbo”, extinguir-se. O artigo acima citado, de Airton Luiz Mendonça, começa assim: “O cérebro humano mede o tempo por meio da observação dos movimentos”. Se alguém colocar você dentro de uma sala branca, vazia, sem nenhuma mobília, sem portas nem janelas, sem relógio, você começará a perder a noção do tempo”. Se a mesma situação continuar o cérebro morre, você morrerá. Nosso cérebro é inimigo da rotina e companheiro do tempo e do movimento.

        Nós, os homens, somos profundos imitadores inicialmente, até completar a idade da madureza. Só depois, com raras exceções, começamos a criar, inventar, imitar o movimento real. Movimento e ação fazem as coisas práticas do dia-a-dia, mas também fazem a arte, o que é perene, o que fica.

         Por todas essas razões, recomenda-se a leitura sempre: para aprender a pensar, assim como para fortalecer a memória. E mais ainda no nosso tempo, quando o homem passou a viver muito mais anos do que no passado. E aquilo dos meus avós e bisavós que se chamava “caduquice” hoje se chama “mal de Alzheim”, “doença do alemão’, a morte da memória recente – que assombra a todos nós depois de avançada idade, não só porque vamos sofrer como dar trabalho à família.  Ela, a palavra, traz a imagem de volta aos poucos restos de memória que persistam.

          Quem pensa que só deve ler na escola, e leu o livro recomendado pelo professor como leitura paradidática, está muito enganado. Para essas pessoas que não querem sair da rotina da tevê e do cinema, e por causa disto tanto se cansam e se aborrecem, recomendo a leitura de um bom livro a cada mês, por exemplo. Já quase concluindo, ofereço ao leitor a frase serena e sentida do grande escritor brasileiro Rubem Braga (1913-1990): “Eu pensava essas coisas vãs e me sentia muito cansado, e uma grande amargura estava em meu coração. Cruzei os braços sobre a mesa e neles descansei a cabeça; e como que adormeci. Então tive uma grande pena de minha alma e de meu corpo, e todo mim mesmo, pobre máquina de querer e de sentir as coisas”. Acredito que tenha escrito esses pensamentos encadeados em palavras, num momento de nojo, ao fim de longa sessão de noticiário, filme ou novela “midiática”, o que, sem dúvida, vale como desabafo.

          Nada se pode pensar, nada se constrói de duradouro sem a palavra. Não há vida normal sem o uso diário da palavra. A vida inteligente sem a palavra é menos inteligente do que com a palavra. Ela é que nos diferencia dos animais chamados irracionais, que vivem em estado de natureza. E mesmo assim se pressente que, muitas vezes, esses animais querem nos falar: - seja o jumento em sua voz que imita as letras vogais, seja o papagaio que imita a própria fala do homem. Poeticamente, em alguma de suas canções, Roberto Carlos escreveu e cantou que, “chegando em casa, seu cachorro lhe sorriu, latindo”, que esta é a sua maneira de expressar-se.

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