sábado, 2 de novembro de 2013

PARA QUE SERVEM OS CEMITÉRIOS

 Francisco Miguel de Moura*

      Para que servem os cemitérios, senão para guardar os mortos? A interrogação vem a pelo quando passamos por aquele dia apelidado dos mortos, por aquele enxame de velas queimando ao sol quente, e são muitas velas de cera para cada defunto. Se fosse necessário acendê-las, apenas uma seria bastante. É como se os defuntos precisassem de luz da terra para enxergar o caminho do infinito, do eterno. Inicia-se o mês de novembro, um dos mais quentes do nosso verão. Este ano não choveu nem pra fazer brotarem as flores das mangueiras e dos cajueiros. Tempo abafado, com nuvens fracas vagando nos céus, vagarosas, sem nenhum vento que as arrastem. Detesto esse feriado, cheio de fumaça e calor empestando o ambiente vital, atopetado de tristeza e choro. Os cemitérios deviam ser alegres como são os da América do Norte. Detesto o Dia de Finados como é, talvez pelo medo da morte, por medo de apanhar doenças, por não acreditar no que o vulgo acredita. Mas dizem os entendidos que a linguagem dos simples está mais perto do coração e da verdade do que a dos intelectuais. Pode ser. Pois pedindo a opinião de pessoas comuns, na rua, obtive várias respostas:

- “No feriado de Finados há uma destruição de velas, bastava uma para cada defunto. Parece que a imprensa e mais precisamente a tevê, o comércio e a indústria fazem parte de um esquema para faturar e ganhar muito dinheiro à custa do povo”. 

 Outro dos meus ouvintes e contadores de casos disse: 

- “Sabe pra que é que o fogaréu de Finados serve? Num ano destes houve um incêndio, pegou fogo no vestido de uma mulher, foi um sufoco dos presentes para que ela não morresse queimada. Melhor é que a gente deixe os mortos em paz, eles precisam do nosso silêncio. Eles não têm culpa de nada, coitados!”

Há uma canção popular bastante conhecida que assim reza: “Quando eu morrer, / não quero choro nem vela, / quero uma fita amarela / gravada com o nome dela...” E o poeta romântico Álvares de Azevedo escreveu: “Descansem o meu leito solitário / na floresta dos homens esquecida, / à sombra de uma cruz e escrevam nela: / Foi poeta sonhou e amou na vida”.

Outrora os cemitérios já serviram para que lhes levassem flores para serem depositadas junto aos mortos que ali jazem. Outros, os coveiros e vigias, habitantes desse lugar, também tinham o prazer de, por pouco mais ou nada, trabalhar ali e zelar a limpeza e o cultivo de ervas e arbustos floríveis, de nomes lindos: “bons dias”, “boas tardes”, “boas noites”, e também de jasmineiros e roseiras que floriam, alegrando o ambiente com boa visão e bons fluidos.  Ainda é recente e me lembro de um conto da famosa escritora Lygia Fagundes Telles em que os namorados caminham até o cemitério para ver o sol se pôr, lindo sol das tardes de novembro (ou de outras tardes e meses). Ali, outros namorados fizeram planos, sonharam agarrados, caladinhos, aos beijos. Os cemitérios serviam de praças e passeios para a juventude, fosse dia, fosse noite. 

Depois foi que começou a ladroeira no mundo, a praga da falta de vergonha e de caráter, onde é comum encontrarem-se covas abertas, feitas para roubo de jóias dos seus moradores e outros objetos de valor que conseguem pela busca desavergonhada. E acontece à noite, sem lua clara. Esse é o maior dos desrespeitos aos mortos.

Não posso esquecer que, quando eu era menino, viajando por estradas solitárias, passava em frente aos cemitérios apavoradamente: Via fantasmas de todo jeito, uns baixos como os sacis, outros altos como se fossem grandes lobisomens ou espantalhos como a “Não-se-pode” - a fábula que sequer eu sabia existir. E tinha medo da morte. Muito. Quem não na tem? Somente aqueles que não acreditam em nada: Deus, céu, anjos, almas, eternidade, infinito... Quem não tem fé, por pequenina que seja.
 Deixemos os mortos em paz. Não vou ao cemitério no Dia dos Mortos. Prefiro ficar contemplando à face dos meus pais, meu filho e meus parentes que morreram, e lembrando suas figuras, suas vidas, suas bondades.  Os primeiros estão ali, na parede. Lembro de modo especial Theobaldo Jamundá. Quando estive em Santa Catarina, lá pelos idos 1990, ele estava inconsolável com a morte recente de sua esposa. Jantamos juntos e ele me contou, na sua linguagem cifrada, casos emocionantes por causa do preconceito sofrido por ser negro e pobre e também pela alegria de haver-se integrado à burguesia catarinense, embora sendo pernambucano. Gostaria de lembrar de algumas frases poéticas, palavras regionais de Santa Catarina misturadas às de comidas do Nordeste. Mando-lhe um abraço de flores, que chegue até onde estiver. Penso em meus pais, meu filho, todos os familiares que conheci estão vivos em minha lembrança e no coração, assim como os amigos e colegas de minha infância. Pensar isto me honra muito. Mais do que ir ao cemitério, mesmo que para rezar uma oração.

______________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta e prosador brasileiro, nascido no Piauí, mora em Teresina, PI. Muitos livros públicados por editora e por iniciaiva própria. Em 1966, publicou seu primeiro livro, AREIAS, daí não parou mais completar 50 anos na atividade de escritor.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...