quinta-feira, 15 de novembro de 2012

PARTO NATURAL, DE UMA POETA


*Francisco Miguel de Moura - Escritor


Não sou médico, biólogo, nem coisa semelhante: sou um poeta e trato de uma poeta e seu “Parto Natural”, Teresina, 2007. Livro de estréia? Não sei, nem se tem outros a publicar. O que sei é que, quando eu era responsável pela revista “Cadernos de Teresina”, há já alguns anos, a empresa editora, Fundação Cultural Mons. Chaves, publicou uma antologia de poetas teresinenses e nela estava Bernadete Maria de Andrade Ferraz, com um belo poema, aprovado por mim. Tentei conhecê-la pessoalmente e não consegui. Não sei por que, acho que por causa de muitos trabalhos em que eu andava envolvido. 

O tempo passou. O mundo é pequeno. Pois não é que, casualmente, no salão de entrada de uma agência bancária onde nos encontrávamos, eis que, agora, ela se apresenta! Com o livro de poemas, “Parto natural, em mão. E mo dedicou. A surpresa foi grande. Aproveitei a oportunidade e ofereci-lhe também uma de minhas obras. Mas surpresa maior tive ao ler Bernadete Ferraz, digamos assim, abreviadamente. Para traduzir o encontro, não sei melhor do que seus versos  

“A cautela inquestionável
que une a beleza ao risco.
O embevecimento do alerta.”( p.48). 

Ela naturalmente já me conhecia, a recíproca não sendo verdadeira, a menos que se conheça bem uma pessoa apenas pelos seus escritos, se poeta – pelos seus versos. Assim, sim.  Mas lendo todo o seu livro, agora posso dizer que a conheço: tímida, sem vaidade, salvo a vaidade dos poetas de expressarem-se em plenitude, livremente. Assim saiu “Parto natural”, transfigurado na virgindade original de quem guarda escondida sua obra espiritual, amada, trabalhada com palavras simples, porém numa fala toda sua, que se mostra sapiente sem ser enfática. É como se estivesse recitando o dito e o interdito para um público atento e ansioso de ouvir. Certamente, em seu livro há muito interdito, há muitos símbolos e imagens verdadeiramente encontradas pela sua vivência, leitura e observação do mundo, tanto nos poemas longos como nos menores. Estilo enxuto, direto, objetivo, com apenas as quebras e cesuras necessárias do seu verso. Para maior crédito do leitor, extraímos do poema “Passagens”, pequena mostra de sua poética e de sua busca com a palavra:  
“A vida  
cataloga emoções 
a cada ida 
aos corações.

Na vinda, 
a vida dialoga com ilusões
que encontrou com vida 
ainda.

A vida,
em seu momento matinal, 
encontra-se no embornal
do ventre, 
entre Deus
e a mãe. 

Vespertinamente, 
faz-nos moços
ávidos buscantes,
correndo e esperando.

Anoitecemos juntos
no limite do amanhecer
seguinte
em que tudo volta a ser.” (p.24).

Poderia ficar aqui mostrando mais poemas de Bernadete Ferraz, a poetisa que diz que “romper o hímen da madrugada é a minha profissão de amanhecedora que não sabe dormir a noite... E como tudo em mim dorme pouco” (p.18), seria uma tentação frustrada de mostrá-la com mais evidência, pois, de ponta a ponta seu “Parto natural” é um valioso livro e a autora se coloca entre os bons, senão os melhores, do universo poético piauiense. Que fazer, então? Desde o primeiro poema até o último, respectivamente, assim expressa:  

“Ser belo é natural
e é natural não sê-lo. 
Mas o essencial supera o modelo” (p.18). 

***

E foi tanto o bem 
que o querer bem nos fez, 
que sempre nos encontraremos 
pela penúltima vez.” (pg.107). 

Diríamos que Bernadete Ferraz escreve a sua alma verdadeira, embora nem todas as suas palavras e frases sejam imediatamente interpretadas, pois que, com a imaginação de “noturna vigilante”, faz aquecer os dias e as noites dos poetas, com imagens contidas, celestiais ou da terra e de onde mais puder.

Para terminar este nosso comentário, passo a palavra à própria autora: “Resolvi expor o meu pensar de reflexivos momentos: Um cacho intimista com frutos de muitos tempos. A poesia, sei senti-la. Não há lucubrações nos meus versos. Livres de corpo e alma. Brancos e de toda cor. Há sentimentos intensos que, quando superlotam o sentir, se ajeitam com as letras. Muitos poetas poetam com o sangue, muitos outros o fazem também com a língua. Há quem goste de “feijão catado”, há quem goste de feijão-com-arroz, eu gosto dos dois. E todo depósito de sentimentos guarda sua marca registrada.”

Para que dizer mais? Ir em busca de prefácios ou artigos de outros poetas e críticos? A moça conhece João Cabral, Drummond, Cecília e muitos outros, porém faz sua própria poesia. E ótima. E pronto. Parabéns.
___________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta e prosador, autor de mais de 30 livros de todos os gêneros, desde o romance à crítica literária, do crônica ao conto, e centenas de artigos que publica no jornal "O Dia", na coluna "Opinião", aos sábados.

3 comentários:

Luiz Filho de Oliveira disse...

Meus cumprimentos, Chico Miguel, pelo honroso trabalho de apresentar os novos a todo o público que não nos conhece. Sua atitude é digna de grandes escritores como o é.

CHIICO MIGUEL disse...

Luiz Filho,
Estamos sempre de prontidao, o crítico é assim, escreve em cima da hora, senão em cima da hora da publicação é porque não teve acesso aos livros. Precisamos manter acesa a tocha da literatura.
Obrigado pelo reconhecimento e o incentivo.
Abraços
francisco miguel de moura

CHIICO MIGUEL disse...

Então, mestre Francisco Miguel de Moura, confesso-lhe que eu esperava de sua pena, somente palavras ditadas pelo seu conhecimento de causa, como poeta e escritor. Se não houvesse o que lhe provocasse algum entusiasmo, fatalmente seria embaraçoso escrever algo. Assim é que se detecta a agradabilidade, o convencimento de uma experiência literária, pois é por aí que os registros se anunciam, se fixam no pensamento do leitor. E como a alegria é o alimento que não faz falta em meu farnel de sempre, espargi parte dela no meu agradecimento às suas bem postas palavras sobre o meu Parto Natural.
Amanhã passarei na Caixa Postal.

Um final de semana agradável.
Cordialmente
Bernadete Ferraz

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