sexta-feira, 30 de novembro de 2012

MINHA TEORIA DO ROMANCE

 



Francisco Miguel de Moura* 



 Romance, o que é isto?
  
Considera-se o romance uma cosmogonia, um mundo de personagens e fatos em circunvolução em torno de uma história ou de várias histórias. Romance é uma viagem para quem escreve. Ninguém calcula o prazer do escritor quando acaba de tecer uma obra de ficção maior. É um orgasmo multiplicado. Ele sabe que vai gerar frutos. Outros vão ler, outros vão sentir, outros vão sonhar, outros vão querer escrever a vida como aquele autor escreveu. Isto me aconteceu quando acabei de ler “O vermelho e o negro”, de Sthendal, por exemplo, o que me aconteceu também com os brasileiros Machado de Assis e Graciliano Ramos. 

      “A única razão para a existência de um romance é a de que ele tente de fato representar a vida”, diz Henry James, conhecido romancista/ensaísta nascido na América e falecido na Inglaterra. 

        Eu acrescento que essa “representação da vida” não pode ser imediata nem presente, depende do chamado“distanciamento”, como em qualquer obra artística. Distanciamento no tempo, no espaço, na memória, nas premonições. Estranho é que outros teóricos, naturalmente em tom de brincadeira, tenham dito que romance pode ser qualquer obra em prosa que contenha no mínimo 50.000 palavras. Isto lembra aquela definição de conto encontrada por Mário de Andrade: “Conto é tudo aquilo que seu autor diz que é conto”. Definições assim podem servir para enquadrar uma leitura de baixa qualidade e, no caso, dos romances, “midiáticos”, aqueles que enchem hoje as prateleiras das livrarias, dos supermercados, das bancas de revistas e onde mais se ponham livros à venda.   

        Falta-me referir aos “sebos”. Estes são, muitas vezes, mais limpos do que a maior parte das livrarias: vendem clássicos, usados é claro, a preço de banana. Compradores de livros, não deixem de visitar os sebos reais e os “sebos” da internet, para onde vocês podem dirigir pedidos de clássicos que já saíram das linhas das editoras. Malditas editoras, cujo fito único é ganhar dinheiro mais e mais. Um Paulo Coelho vende muito. Tal como os livros de auto-ajuda. As livrarias ganham pela quantidade, exagero e falta de escolha para um leitor inteligente, pois vão perdendo muito em qualidade, e amanhã ninguém falará mais do sucesso dessas obras nem dessas empresas.

          Outro tipo de livros que vende muito são os religiosos. Mas, colocam-se entre eles, a bruxaria, a “vampiragem” e todos os tipos de religião: umbanda, zen-budismo, espíritos do bem e do mal, entre outras malandragens. Bem verdade que há os livros inocentes de amor e traição (entre esses, às vezes, se encontram alguns que são, pelo menos, bem escritos). Não esqueçamos também os chamados policiais e os de ficção científica. Há romances em filmes, há romances em novelas. Mas, não esquecer que tratamos aqui é do romance-livro, e nem toda a obra  que se dá esse nome romance o é.

O romance é uma luta com o tempo através da palavra, uma luta com o meio através da palavra, é um encontro de vários personagens, os mais diferentes possíveis, formando um tecido social imaginado – claro que com base na realidade comum. O escritor E.M.Forster aconselha que não importam as sobre-linhas, os acréscimos fora do contexto. Às vezes há romance de um só personagem contando a história dos outros, vivendo a vida de outros. O leitor quer é a história, seja de  muitos ou poucos personagens que fazem o romance. Importa é que teçam conflitos, enredos, símbolos, a língua seja bem trabalhada, a linguagem escorrendo como água do rio, ora em cachoeiras, ora lentamente até chegar ao destino. Os grandes romancistas escrevem bem, bem mesmo, usam poucos adjetivos, vocabulário bastante diversificado, não repetem. Mesmo tecendo um ambiente de tristeza e tragicidade como o fez O.G. Rego de Carvalho, em “Rio Subterrâneo”, para só falar em sua obra capital, e esses escritos são musicais, líricos, poéticos. Em minha opinião, todo bom romancista já escreveu poemas, mesmo os que não os publicaram. Foi uma forma de preparação para a elevada prosa, a busca de um estilo revelador.  O mistério, aquilo que cada leitor procura desvendar nos romances, é um ingrediente imprescindível – diz E. M. Forster, em seu livro “Aspectos do romance”. Por causa desse mistério é que acontecem muitas releituras. Comigo aconteceu,  eu me lembro bem, com “O estrangeiro” de Albert Camus: mal terminei minha primeira leitura, fiz uma segunda. E não me arrependi. Outro que já li pela terceira vez foi “Dom Casmurro”, de Machado de Assis.  “Leitor, se você ainda não leu esses clássicos que apontei, é bom que procure ler logo, antes que você morra”, como me dizia um professor de teoria da literatura portuguesa, depois da dissecação de cada obra, fosse de Camilo Castelo Branco, Almeida Garret, Eça de Queiroz, Fernando Namora ou Ferreira de Castro.

O grande romancista é um feiticeiro da prosa, mostra a realidade tal como Flaubert com sua “Madame Bovary” – uma das obras mais belas que li e reli e pretendo treler. Ele, num processo que lhe foi movido por censurarem de estar descobrindo a vida íntima de uma senhora da alta sociedade da França, declarou: “Madame Bovary sou eu”.  Certamente disse como defesa, mas explicitou uma verdade ficcional: em cada personagem o autor deixa sempre sua marca. Depois, a crítica começou a apontar os “alteregos” dos romances mais famosos, dos protagonistas, etc.
Finalmente, aponto uma contradição justa: Tal como o trabalho de reescrever, nem sempre gostoso, mas indispensável, que os bons escritores fazem e devem fazer sempre, o trabalho do leitor é ler – e as primeiras cem páginas dos grandes romances nem sempre são de fácil leitura, mas depois das primeiras, hum, como é gostoso! E as releituras são sempre agradáveis, nelas se reencontra um pouco do já conhecido, relembra o passado, descobre sempre um novo caminho, renovando as emoções.

Algumas pessoas dizem que nunca leram um romance sequer e ainda me perguntam: Para que serve a leitura, a literatura, a poesia? E eu respondo: - Pra nada. Nem tudo o dinheiro compra, o prazer da leitura é um deles. O que mais vale não se compra, não é mercadoria. E coisa que não creio é na inteligência dessas pessoas que nunca leram um romance.  O romance é o auge da carreira de um escritor, é o cume. Romance é a melhor leitura do mundo, o melhor passatempo, e desde tempos imemoriais fonte de sabedoria.  Há quem ateste a morte do romance. “Se você diz que o romance está morto, não é o romance, é você que está morto”, responde Gabriel Garcia Márquez. Sua inteligência emocional, sua intuição é que estão a zero.

___________________
*Francisco Miguel de Moura -Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, Teresina-PI

3 comentários:

Francisco Coimbra disse...

Interessante.

Nádia Santos disse...

Que pena existir pessoas que perguntem pra que servem os romances, a poesias... além de questionar sua inteligência pergunto também: cadê a sensibilidade dessas pessoas? Adorei seu texto. Um abraço querido.

CHIICO MIGUEL disse...

Nádia Santos,
adorei a sua apreciação do meu trabalho e a crítica que faz aos que não têm sensiblidade para a arte, que são muitos. Não sei para onde vai o nosso mundo com tanta ignorância. Está mais e mais para a desumanidade, o crime, a droga e as vaidades mais tolas.
Abraço de coração
francisco miguel de moura

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