domingo, 19 de dezembro de 2010

PARA O SILÊNCIO - UMA CANÇÃO ESPERANÇADA


   

Francisco Miguel de Moura
 Poeta brasileiro


Não me dói a janela fechada,
o pássaro fechado, a música
tão bela   
ante o verde nos meus olhos.

Não maldirei a sorte do país
no pórtico do milênio ciciante,
milhares de famintos que se sabem
roubados no salário infame
e nada fazem, nada dizem.

Mas bendirei o vento norte
quem te trouxe até a mim,
e da serra o perfume e o verdume
e meu passado já fendido,
e os olhos negros de ternura,
e a boca em zero de  palavras.
Foi o silêncio quem nos consagrou
no que há de mais puro e doce,
entre o que vive e sonha.

Leve (e lindo) é o instante, irredutível
a um poema, a uma frase, um ai.
Poema eu vi na dobra do roupão
amanhecendo o corpo cor da tarde,
anunciando a noite do outro lado,
um transparente quanto a carne que arde.

Levo comigo a sensação de ter-te
em meus braços, esquecidos braços,
e a esperança da ventura ímpar
que da serra desceu com teu sorriso.

Assim, não possa maldizer a vida
nem a sorte de ser um deserdado
no amor e no jogo e nas ações.

Assim, não possa desprezar a serra,
o vento, o clima de viver, o verão...

Nem a casa, o café, a cerimônia,
nem o silêncio que entre nós se apôs.

*

Só no silêncio é que se guarda o ouro,
a eterna idade e a virtude do outro,
e o amor... Belo é o amor! Ilude.

Salve-se o silêncio a um, a dois.
Salvemo-nos pra sempre como sempre
na poesia que você fluiu
neste poema que eu calar não pude.

_____________
Do livro “Antologia”, Edições Cirandinha, Teresina, 2006, de autoria de Francisco Miguel de Moura. 
NOTA CRÍTICA:
Em resposta a uma carta do autor, quando enviou seu livro "Univeso das Águas", 1979, Carlos Drummond de Andrate respondeu: "Meu agradecimento atrasado pela oferta da variada e sugestiva poesia de "Universo das Águas", a que teve a gentileza de juntar um exemplar de "Cirandinha", que também muito apreciei." - "Cirandinha" é o nome de uma revista literária que editei nos anos 1970/1980.

4 comentários:

Antonio José Rodrigues disse...

Chico, rapaz, por pouco não chorei. Revolveu a minha alma. Belíssimo. Abraços

Iram Matias disse...

Que belo, meu amigo!
Chico, ando tão ausente, mas feliz com o motivo que causa essa ausencia. É visita, é natal, é festa... logo volto para estarmos mais perto dos nossos instantes, ta!

Um Feliz Natal pra vc e toda sua família. Que Deus esteja protejendo vcs.

Beijos

Iram

M Teresa Góis disse...

Viva Amigo, continuo a achar qualquer coisa de Manoel de Barros na sua poesia.Falou-me numa poesia minha de Natal.Sairá no meu blog, dia 24, depois das 14h de Portugal.Por acaso esse poema será, numa das igrejas da cidade do Funchal (S.Roque)o teme de reflexão. Abraço. Voltarei e Boas Festas

Prof. José Fernando disse...

Estava aqui a procurar adjetivos, mas vou optar pelo simples: belo poema!
Abraços aqui do Sul!

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