quarta-feira, 2 de junho de 2010

QUINTETO EM MI(M) - 5º LIVRO DE POEMAS














UM LÍRICO REALISTA

Luz e Silva*
ecreveu:


Ao longo de sua obra, Francisco Miguel de Moura nos habituou a vê-lo como um poeta do nosso tempo. Áspero na forma, contundente na expressão. Em síntese, um lírico realista, porque voltado para a vida em cuja concretude o homem se perde. Neste “Quinteto em Mi(m)” a mesma coerência de sua poética outra vez se desenvolve.

Digamos, desde logo, para evitar mal entendido, Francisco Miguel de Moura não é um poeta abstrato, nele não encontramos um místico. Sua poesia é sempre um reflexo imediato e bem vivo da própria existência:

Nus dentro da verdade
é que todos perdurarão
e é como se não existissem – em pedaços.”

Mas essa verdade só vai adquirindo consistência quando se transforma em palavra:

“Eu me edifico
eu amo-me
eu me complico.”

É nessa perspectiva que a criação poética passa a adquirir um caráter visceral: (“Eis que presente a solidão deságua”.

O dia-a-dia é algo concreto e mutável que se vai construindo e se desfazendo simultaneamente:

“Os deuses gozam de nós
tão inocentes somos”.

A vida é sonho que o poeta precisa construir.

“Eu sei sonhar
– e muito mais:
eu sei fazer o sonho – ”

Aí a luz se faz, no poema, plena das várias camadas da existência, porque o objetivo do poeta é a formação do ser.

“Faço a beleza com os olhos,
as mãos, a cabeça, os pés.
Os pés no chão da graça.”.



Porém, deixemos claro, o ser de Francisco Miguel de Moura se constrói neste mundo. (“não sofro mais além do que sofri”). Estes poemas buscam circunscrever o que se é, sempre com os pés na realidade. O poeta “grávido de si mesmo”, num breve tempo onde as experiências apenas se insinuam, sem trazer nenhuma consciência de nada eterno, em tudo se vê perecível, frágil, sujeito às intempéries da incerteza.

“Passo e não me olham
olho e não me vêem
falo e não me escutam.”

Feitos de flagrantes sucessivos estes poemas, em sua justaposição vida/arte, mostram o espanto do poeta perante a vida “quando foi que minha alma se partiu?

O sentimento de que tudo sempre se está fazendo e desfazendo fica nítido em várias passagens do livro. Como conseqüência, o poeta está sempre tentando ordenar o mundo, o que podemos notar na insistência com que apela para a numeração ao longo da obra. Por outro lado, há sempre uma iminência de divisão:

“Um eu dividido”.

um eu triturado
átomo vencido
fogo apagado.”

“Parti-me em oito e muito mais.” O mundo é visto como um antagonista O poeta está no mundo e sente que é inútil tentar se sobrepujar a ele. A realidade nos solicita apenas, sem questionamentos. São nossos sonhos que nos limitam, que nos vencem.

“Tudo posto para nós:
O mundo.
A vida. E a solidão a dois,
graças a cada um de nós.”


O mundo não é nosso, nós apenas fazemos parte dele. Do excesso de ambições do indivíduo é que surgem as derrotas, daí outra obsessão do poeta que é a do destino falhado. De um lado, o sonho, de outro, a realidade, assim nasce o descompasso ser/mundo, com o inevitável sentimento de frustração. Neste ponto é que a criação poética passa a adquirir um aspecto essencial. Ao construir seus poemas é que o poeta começa a adquirir um vislumbre de seu caráter, uma espécie de “síntese/compromisso”.

... quero escrever um poema

que não diga nada a ninguém
e que me diga de um tudo”).

Em suma, a consciência nasce do ato de criar. Ao captar os mecanismos da existência, o poeta começa a entender o sentido da vida: desafio que o homem põe a si mesmo. Somente através do ato é que se pode tentar vencer a dureza do mundo. Como fazer ou não fazer leva sempre à frustração, deve-se optar então pela ação. Vencido por vencido, a única saída é uma recusa à inércia. O importante é que não se aceite a derrota antes da experiência. Na ação é que o homem se mostra. O poeta na construção do poema. Nisso ele principia a ser.

No entanto, fica claro que nem vida nem arte surge como coisa acabada. Uma e outra são sempre desafios cotidianos que temos de aceitar que possam terminar incompletas. Porém apenas na aceitação desse desafio é que o homem pode vencer a própria limitação. Nesta perspectiva, aliás, o poema final do livro (“Sonho”) é bem exemplificativo. Estamos sempre começando.

“E chega a hora de bater:
quem bate e bate tem valor,
quem sonha e voa, agora, é voador.”

Saliente-se, para terminar, o importante é que nos percamos como reis, ou seja, sonhando alto. Neste ponto “Quinteto em Mi (m) coloca nova perspectiva de análise da poética de Francisco Miguel de Moura, o que talvez um dia dê motivo para um outro prefácio.

(Prefácio do livro “QUINTETO EM MI(m)”, Editora do Escritor, São Paulo – SP, 1986).

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*Benedicto Luz e Silva é poeta, romancista, crítico e editor. Mora em São Paulo - SP. Ilustrações: esquerda: contracapa de "Quinteto em mi(m); direita: caricatura do autor que figura na capa.

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