quarta-feira, 20 de agosto de 2008

DE MEDIA PARA MÍDIA,

Faltam MEIOS


Paschoal Motta*

"Quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social.
E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo, acabam a arte e a
verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja existência a civilização deriva
."
(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Companhia das Letras, 2ª. ed. 2005, São Paulo)

Quando se divulgou no Brasil a palavra mídia, da expressão mass media (Inglês e Latim), igual a meios de comunicação de massa, ou simplesmente meios, quase todos os comunicadores profissionais aprenderam a novidade e proclamaram a pronúncia inglesada de media. Este é substantivo plural, de medium, gênero neutro, que resultou em nosso meio/meios, de largas usanças em nossa linguagem cotidiana. Até então entre nós, media aparecia na forma e pronúncia originais e em situações específicas, como, entre outras, a extinta publicação Ars Media, da Fundação Palácio das Artes em Minas Gerais. Meios tem, como sinônimo, veículo de comunicação, atualmente desbancados pelo mídia, que grassou que nem tiririca no bastante mal cuidado jardim brasílico da Flor do Lácio.

Mais recentemente, importamos e adotamos, com antiga afoiteza, as palavras diet (com pronúncia daíete), bike (baique), com apenas as deformações fonológicas. Fiquemos só nestas de uma lista crescente. São reduções de diaeteticus (Latim), e bicyclette (via Francês, por sua vez composta do prefixo latino bis, dois/duas, mais a palavra grega kyklos, roda, (grafia latinizada), mais eta. Importamos, também dos Estados Unidos da América do Norte, bicycle, já representada em bike, e com a apreciada dicção estrangeira. (Aliás, sempre demos ao produto importado valor acima do tupiniquim.) Nestas duas palavras, não conseguimos, ainda, destruir a grafia, como com mídia, arremedando apenas a pronúncia. Agindo assim, profissionais da Comunicação demonstram ignorar completamente esta questão que desencadeia prejuízos irreversíveis na área lingüística nacional e em nosso status de nação de idioma próprio. E, juntadas a outras tais, nos bestificamos num geral das manifestações.

Circulou, recentemente, pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos um selo "Design brasileiro" (ipsis litteris)... Design é de designare, desenhar, mantida a raiz, sign, apenas com a pronúncia estrangeirada, como sói acontecer em países de Língua Inglesa.) Acolhemos, dessa maneira, e divulgamos termos geneticamente latinos e da formação do Português, que aqui aportam com sons alienígenas, lá das plagas por onde viajaram, correndo, porém, na contramão de suas raízes etimológicas, porque captados de ouvido e assim grafados. Um horror! Até o Dicionário Aurélio registra esse mídia e anota sua formação e abrangência de significados históricos e atuais, na ignorância, porém, da sua descaracterização radical em nossa linguagem.

Nas longas e pedregosas vias da civilização romana, os itálicos se apropriaram de termos do Grego, do científico, do filosófico, do religioso e do artístico e de outros. Na passagem para o Latim, foram ajeitados na grafia do alfabeto da língua de Cícero. A causa eficiente e profunda desta breve argumentação sobre tais e mais desacertos poderá ser detectada em entradas no Português aqui praticado de meros sons e grafias estranhas que adulteram nossa genética lingüística e o resto.

Importações de palavras sempre serão saudáveis, mas dosá-las e adaptá-las, tal qual procedemos com football, foxtrot, corner, lead, penalty, team, copy desk, copyright, snooker... que aqui vestiram roupas de nossa linguagem e se converteram em futebol, foxtrote, córner, lide, pênalte, time, copidesque, copirraite, sinuca e outras muitas. Demos a elas, como não pode deixar de ser, um verniz latinizado, local, nos sons, na escrita. Aí, vá lá! Mas, cuidado! O roçado onde plantamos, adubamos e regamos esse mídia fica propício para semeadura e cultivo de expressões contaminadoras até da sintaxe nativa. Aí, nem Deus será mais brasileiro... Entre nós, a maioria das importações de palavras estrangeiras é desnecessária e algumas aviltantes. Sejamos, então, no mínimo, coerentes com esse apreciado mídia e vamos falar e escrever também: intermídio, intermidiário, midianeiro, midiatário, midiado, mídio ambiente, mídio-dia, mídio de campo, mídio-termo... aí afora. Temos já vaidade em grafar site e pronunciar saite, como se falássemos, aqui, o idioma de John Steinbek.

Ressalte-se que o Inglês que nos chega dos Estados Unidos, ora nosso árbiter cultural, abriga em seu vocabulário mais de cinqüenta por cento de termos gregos e latinos. Não demora, acolheremos daíete, baique como aconteceu com mídia, fazendo desaparecer os morfemas de seus significados radicais de origem. Que essa possibilidade ronda a Inculta e Bela, ah, não tenhamos dúvida. Aí, novos desarranjos intestinos serão irreversíveis, ainda mais com essa prática abusiva, insistente e demolidora por quem por ela devia zelar: redator (incluindo aqui escritor de ficção, poemas, textos científicos), revisor, jornalista, radialista, âncora de televisão, professor, advogado, reitor de universidade, religioso e outros cuja ferramenta básica de ganha-pão é a Língua Portuguesa, mas ainda desprovidos da consciência de possibilidades, modalidades e ocasiões de emprego da sua linguagem.

O Latim foi banido das escolas brasileiras! Pode ser estudado somente em Curso de Letras Neolatinas e escolas de línguas especiais. E como tem feito falta! No mínimo, seu estudo ajuda a pensar com mais discernimento, lógica. Conheçamos e admiremos línguas estrangeiras e respectivas culturas; aproveitemos delas o que nos complete e encante. Alguns poderão objetar que enfrentamos males maiores e precisamos da imediata solução deles, como o comércio e uso indiscriminado de drogas entorpecentes e seus efeitos perniciosíssimos para a mocidade e suas famílias; fome endêmica, guerrilhas urbanas, doenças idem, ladroeira em expansão, impunidade generalizada entre outras mazelas. Recebemos a ainda bela Língua Portuguesa de nossos maiores com o dever imprescindível de preservá-la para as gerações presentes e futuras. Sempre vale alertar: perdendo a estima da língua nacional, um povo esquece seu passado nas autênticas manifestações e, por fim, a dignidade pessoal e coletiva. Toda língua se aprimora ou se degrada na boca do povo. E, hoje, muito mais rápido e marcante, se por profissionais que a destroem ou empobrecem na transmissão de notícias, idéias, emoções por meio dela para milhões de pessoas e em tempo real.

E vamos cultivando cada vez mais uma linguagem estropiada, feiosa, até indecente. Contam-se nos dedos anúncios, dos mais simples aos mais sofisticados, que não agridem a Inculta e Bela com erros gravíssimos de regência, concordância, sons irregulares e mais. Meios de comunicação, governamentais ou particulares, espalham, com renitência, um linguajar bastardo, como gratuíto, um óculos, todo uma, processado a alteração, própio, propiedade, poblema, faz (Você) um, pô (por), pá (para) entre inúmeros, repetidos ad nauseam. E quem liga para as normas legais da ortografia vigente? Os meios impressos nem aí. Como nos levar a sério, se não nos levamos a nós mesmos, profissionais da comunicação?

Outra questão paralela: animais, árvores brasileiras, frutas, rios, pássaros, peixes, comidas, por exemplo, de denominações de denominações latinas, indígenas, africanas, se sonoras, não servem para nomear edifícios, ruas, cidades e o mais? Precisamos nomear prédios de luxo com nomes estapafúrdios buscados longe para valer mais? E os onomásticos de ruas, prédios e o mais, geralmente desconhecidos ou inexpressivos, para, apenas, massagear o ego fútil de uns poucos. O maldito princípio de todas as nossas mazelas, locais e planetárias, tem um nome: ignorância.

Português em Fim?

Oportuna a preocupação, com advertência, do Jornalista Otacílio Lage em artigo publicado no Estado de Minas, de Belo Horizonte: "Aqui, o Português está sendo negligenciado, e só os tolos acham que podem aprender o Inglês, Espanhol, Italiano, Russo, Mandarim ou qualquer outro idioma, ignorando o nosso. Não vão sair do lugar." E mais: recentes advertências da UNESCO / Organização das Nações Unidas Para a Ciência, Educação e Cultura, através de seu diretor-geral, Koichiro Matsuura, afirmou, na celebração do Dia Internacional da Língua Materna, em 21 de fevereiro do ano passado: "Quando uma língua morre, uma visão do mundo desaparece." E acrescentou que um registro idiomático desaparece a cada duas semanas. Por seu turno, Musa Bin Jaafar Bin Hassan, presidente da Conferência-Geral, da mesma Unesco, acrescentou: "As línguas não podem desaparecer sob o peso de outras. Têm que ser meios de expressão, que vivam e atuem junto às grandes línguas da Terra." E ele considera isso de difícil solução no enfrentamento da globalização que coloca o Inglês numa posição predominante.

Que fazem os professores de Português? Onde estão? E os cursos de Letras Neolatinas, de Jornalismo, de Direito, de Publicidade? A Academia Brasileira de Letras, as estaduais, as municipais? E o Ministério da Cultura? Da Educação? As Secretarias de Estado e municipais de Educação? Não se movimentam? Desconhecem essas agressões? Não sabem dessa ameaça em seu bojo? Dispomos de recursos de divulgação para desencadear campanhas e promover festivais, encontros, fóruns, concursos, celebrações regulares que avivam a atenção da juventude para o valor que representa a Língua Portuguesa na sua formação intelectual, cultural e emocional. As comemorações de nossas datas cívicas mais importantes, por exemplo, são duma frieza tumular. E podem muito bem representar o descaso generalizado para com nossas raízes...

O Português, patrimônio máximo do povo brasileiro, é o veículo nativo de que dispomos para representar nossos modos de ser, estar, agir, sentir e nos distingue no concerto das nações. Exige de quem o manifesta profissionalmente rigorosa e serena consciência crítica das variadas possibilidades de sua aplicação. O termo mídia viciou velhos e vicia novos no besteirol da comunicação nacional. Teremos ânimo ainda para recolocar o meio em nossos meios com competência e alegria? Há meios? Há. Uma sugestão primária: conhecer um mínimo da Língua Portuguesa, gostando ou não dela. Esse mídia e seus companheiros nos violentam e humilham.

_____________
Paschoal Motta, escritor, jornalista, professor, mora em Belo Horizonte – MG, e-mail: Paschoal.motta@gmail.com

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...