quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

QUEM TEM MEDO DA PALAVRA

Francisco Miguel de Moura*

Palavra puxa palavra, não é demais repetir, principalmente num texto como este, a cuja construção fui levado por causa de leituras intrigantes na imprensa e na internet. Quem disse que não se lê mais? Que não se lê na internet? Meu ensaio “A Leitura e o Mundo Imaginário”, no site http://www.usinadeletras.com.br teve 11.480 leituras, nestes últimos três anos.

Tenho, pois, duas opiniões lidas em artigos da imprensa. A primeira, do mestre do humor, Millôr Fernandes, onde proclama o que todos nós sabemos – que “a palavra futebol é, talvez, a mais universal da nossa língua”. Muito universal, eu sei. Mas não é mais universal do que Deus, hem? Ainda bem que ele colocou um “talvez”. Na forma pessoal de escolher as palavras (todos nós temos), ele diz, no mesmo artigo, entre outras palavras de uso comum no futebol, que córner virou escanteio e que para ele ficava melhor córner mesmo. A verdade é a dele e não mais a da língua, que adotou escanteio. Correto? O texto de Millôr saiu na revista Veja desta semana (13-2-2008).

No reino da internet há muitas palavras que já poderiam ter sido aportuguesadas (e isto cabe à iniciativa dos escritores, gramáticos, etc.). Por exemplo: e-mail. Por que não usar simplesmente imeil, com plural imeiles? Outra já referida acima é site. Por que não saite/saites? Poderia ser sítio também, mas não é fácil pegar, uma vez que o vocábulo inglês já é uma metáfora. Não soaria bem pra nós a palavra sítio, com dois sentidos. Outro assunto no reino da palavra, mas agora como expressão ou expressões que desfiguram o que a gente já possuía e bem. É mostrado pelo articulista J.R. Guzzo, pg. 60, do mesmo órgão e data mencionados. Guzzo acentua, num tom saudosista, que hoje, em vez de imprensa usam “meios de comunicação” ou “mídia”; no lugar de jornalistas estão os “fornecedores de conteúdo”; em lugar de reportagem, artigo, programa de rádio, etc. tudo isto está sendo englobado como “produtos”; e mais expressões novas como “convergência de meios”, plataforma de multimídia”, etc. No mundo contemporâneo há muitas invenções, muita tecnologia; tudo bem que alguma parte do discurso seja adaptada. Porém ele complementa: “Nada disso quer dizer que se vivia num mundo melhor do que o de hoje – ou pior. Era apenas diferente, e de todas as diferenças a mais interessante provavelmente está no fato de que nesse mundo não se falava, como se faz hoje com freqüência cada vez maior, que os jornais e revistas, daqui a mais algum tempo vão sumir da face da Terra, como sumiram os cigarros Petit Londrinos”, o cachorro Rin-tin-tin e a Rede Mineira de Viação. Tais profecias são feitas, em geral, com entusiasmo, com alegria – inclusive, e curiosamente, nas próprias empresas de jornais e revistas.” E nas editoras de livros, acrescentaria, e nas escolas, e pelos professores.

Parafraseando J. R. Guzzo, diríamos que não nos surpreenderá se, de um momento pra outro, todo o mundo, inclusive as empresas fabricantes de produtos tecnológicos, começarem a sugerir e pregar o fim do “alfabeto”. Aliás, já estão sugerindo. Num programa da Discovery Channel, espertos chimpanzés desenvolveram uma linguagem totalmente isenta da palavra e se comunicam por sinais, imagens e sons. Finalmente encontramos quem tem medo da palavra: os chimpanzés e os preguiçosos. E com eles o mundo não avançaria um passo. Teríamos retroagido ao início de tudo: a caverna.

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*Francisco Miguel de Moura é membro da Academia Piauiense de Letras

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