quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

CRÔNICA DA SINCERIDADE

(Para o começo ou fim do milênio, tanto faz)

*Francisco Miguel de Moura
Escrito brasileiro

Há momentos em que gostaria de escrever como o jornalista Diogo Mainardi, só para falar mal de todos e de tudo, inclusive de mim mesmo, como ele. Depois, penso melhor. Não sou internacional, não ganho dinheiro com artigos de jornais, sou um simples amador... E amador tem que amar. E eu amo os meus leitores.
Então, pronto, baixo o foguinho.

Mas quando recebo cartas do historiador português Montezuma de Carvalho, um desses homens para quem a verdade deve ser dita nem que venha a ferir alguém ou muitos alguéns, então o fogo começa a reacender das cinzas.
De Mainardi, sei que foi a Londres e não visitou a “Cúpula do Milênio”, nem a roda gigante apelidada de “Olho Gigante”, nem a “Tate Gallery”. Seria de perguntar-se: O que foi ver em Londres? E de responder: Nada. Ele mesmo se responde: “Essa viagem de três dias a Londres me convenceu de que, no novo milênio, não devo mais sair de casa. Tudo estimula a minha decisão: as janelas têm a melhor vista do mundo, o supermercado passou a aceitar encomendas via internet, a concorrência entre empresas telefônicas diminuiu as tarifas, meu cachorro está velho, incontinente e enjoou de passear. Ninguém me tira de casa no novo milênio.” De tudo o que disse, eu suprimiria o cachorro. Não gosto de cães.
De Dr. Joaquim de Montezuma de Carvalho, que morou muitos anos em Moçambique, que conhece a América Latina (Bolívia, México e Brasil) e sabe de muitas histórias da História que é um colosso ler seus livros e artigos em português do melhor, cheio de descobertas e de frases e palavras não usuais – recebo recortes de jornais que, repetindo o filósofo espanhol José Ortega y Gasset: “Yo soy yo y mi circunstancia”, acrescentam como que respondendo ao filósofo: “Deus criou o mundo redondo para haver futebol.” E conclui: “Tudo no mundo não passa de uma bola para chutar-se.” E fala sobre o imperialismo no mundo. E termina assim: “E o Brasil é um dos capitães desse imperialismo...” Do imperialismo do futebol, declara: “É o único imperialismo consolidado, pois devorou: religião, política, pensamento, economia, finanças, em louvor do Homem-Massa, o Hombre-Masa, o Zero...”

Pelo que entendi, os dois intelectuais citados nesta crônica recusam-se terminantemente a ser massa de manobra, a integrar-se a essa circunstância totalitária, à circunstância do homem pós-moderno massificado.
Eu também me recuso. Um dia destes fui visitar um amigo e o encontrei à frente da tevê vendo o jogo de domingo. Falou-me: "É uma decisão importante." Um outro colega já me havia lembrado a mesma coisa, no domingo anterior, sobre o próximo jogo que ia acontecer. Não assisti a nenhuma das partidas indicadas. Minha desculpa foi a de que meu time não estava jogando. Poderia ter sido qualquer outra: não torcer por nenhum time, não entender muito (nem pouco) de futebol, por exemplo. É que mesmo sendo brasileiro não gosto de futebol. E até o vejo, mas em “peladas”, no clube, nos campos de bairros. Aqui, sim, pode ser gostoso. Não vejo ali o jogador-massa, nem o espectador-massa, vejo uma brincadeira divertida. Eis o que deveria ser o futebol. Eis o que deveriam ser todos os jogos.

Nesta crônica, também seria impossível esquecer Eduardo Maffei, médico, historiador, jornalista, comunista ativo na primeira metade do século XX. Falecido em São Paulo aí por volta de 1991, possivelmente em 1º de abril, data da morte de sua esposa três anos antes, Maffei era um gozador nato, tinha idéias políticas concretas e filosofia aprofundada a respeito do homem e da sociedade, cujo rastro deixou nos seus artigos e cartas (que precisam ser editadas). Passando por Salvador, visitou nosso apartamento justamente quando estávamos diante da televisão. Então, não titubeou: Virou a mesinha com a tevê e colocou-a de frente para a parede, para que se pudesse conversar. Conversa proveitosa, sobre bebidas, mulheres, livros, passeios, o tempo, a vida, a luta de cada um, anedotas, tudo. Variado. Sempre íamos jantar juntos, em Salvador ou em Teresina. Uma das vezes disse: “Entre outras coisas mais importantes, a mesa serve também para que nos sirvam refeições.” Para ele, televisão não servia pra nada.

Também assim creio, salvo alguma estranha circunstância.
E por falar em circunstância, digo: "Eu sou eu contra a minha circunstância", para entrar em desacordo com o pensamento célebre de Ortega y Gasset.
Mas, como esta crônica é da sinceridade, quem quiser pode ir rever as bobagens da televisão deste fim de século, fim de milênio, porque eu vou ficar lendo meus livros e meus jornais, minhas cartas (recebidas e enviadas) e rabiscando anotações para futuras crônicas como esta.

Acesse: *franciscomigueldemoura@superig.com.br e *franciscomigueldemoura.blogspot.com

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...