domingo, 16 de dezembro de 2007

PROSOPAGNOSIA 2

Francisco Miguel de Moura*

A matéria publicada na revista “Época”, São Paulo (SP), edição de 13 de novembro de 2006, é jornalisticamente excelente e despertou muito interesse em Teresina, nossa Capital, sinal de que sou bem conhecido como escritor e habitante desta “Cidade Verde” há muitos anos. Mas comete exageros. Entre o que eu disse à repórter e o que saiu em letra de forma há dois pontos que eu gostaria de esclarecer, justo porque algumas pessoas me abordaram identificando a prosopagnosia com o mal de Alzheimer, que é muito diferente. Tento aqui a retificação dos dois pontos:
1 – Diz que só reconhecia os pais e os irmãos pela voz e pelos trejeitos – escreve Suzane, a repórter, referindo-se ao que eu havia declarado a ela.
Não foi bem isto. Eu disse que a voz e os trejeitos (tiques) das pessoas com quem tenha tido contatos mais aprofundados – (menos meus pais, filhos e irmãos, é claro) – deixando de encontrá-los durante algum tempo, ou seja, dois, três, cinco anos ou mais, me ajudavam a identificá-los, pois, para a prosopagnose, as feições (o rosto) é muito difícil guardar por muito tempo. Lá na frente, refiro que em ajuntamentos grandes como festas, shows e outros é difícil identificar até namoradas com quem tenha mantido contatos mais ou menos duradouros. Lidar com muitas pessoas foi um desafio quase sempre intransponível quanto ao reconhecimento pessoal pela cara.
2 – “Ela se tornou minha secretária, me avisa quem está chegando, quem vem em casa” – referindo-se à minha esposa.
Ora, declarei à repórter que há alguns anos fui candidato a deputado estadual e na campanha andava com minha esposa pra me facilitar o reconhecimento das pessoas ao cumprimentá-las. Com 47 anos de casados, me tenho valido de sua ajuda em muitas ocasiões de encontro com quem não consigo reconhecer. Mas não tenho dificuldade de sair sozinho. Nem sempre ando com ela ou com alguém. Faço tudo, reconheço as pessoas do meu convívio, sem problemas. Lá uma ou outra com quem não mantive contato há muitos anos é que deixo de reconhecer: – colegas de ginásio, professores, até alguns de meus alunos. Não tive muitas namoradas, como disse, porque sou tímido, não porque não reconhecesse quem eu simpatizasse e estivesse na minha expectativa. O namoro com minha mulher, que tinha sido minha aluna e morávamos perto, começou numa noite de São João, junto à fogueira, com brincadeiras, adivinhações, comes e bebes etc. Antes, a gente já se vinha flertando na igreja, por ocasião das missas. A cidade era pequena e quase todos se viam sempre. Outra coisa que quero acrescentar agora é que eu nunca seria um policial, visto que sou incapaz de reconhecer um criminoso na rua por ter visto sua foto e vice-versa: ver a pessoa na rua e depois identificá-la numa foto como sendo a pessoa procurada. Se for muito íntima e tenha tido encontros com ela há pouco tempo, aí, sim, posso reconhecê-la. Daí que acho que meu caso não é muito grave, há outros mais graves como outros mais leves. Creio que a partir da meia-idade o distúrbio aumentou em mim e passou a ser mais percebido. Mas não chega a ser uma doença. Compreendo que jornalismo é feito assim mesmo, às pressas, e esses enganos podem ocorrer, independente da vontade do entrevistado/ informante e do jornalista/repórter. Geralmente pego de surpresa, o entrevistado nem sempre se expressa bem e o entrevistador pode ouvir mal e escrever aquilo que acha que tenha dito. Por isto, só tenho é que elogiar o trabalho da imprensa a meu respeito, e agradecer, especialmente com relação à divulgação de minha atividade de escritor (sobretudo do meu livro “Antologia – poemas escolhidos pelo autor”, quando completo 40 anos desta atividade), aos jornais do Piauí, de outros Estados e também de Portugal, onde saem meus poemas, artigos, crônicas, contos e ensaios regularmente. Compreendo mais ainda por que a atividade de escritor precisa de escoras para aparecer: Machado de Assis surgiu por ser mulato e epilético; Jorge Amado, por ser político e comunista perseguido; e Paulo Coelho por ser mágico e letrista de Raul Seixas.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, Piauí. E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br

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