MEMÓRIA: CULTURA É LIBERTAÇÃO
“A presença de um pensamento é como a
presença
de quem
se ama. Achamos que nunca esqueceremos
esse pensamento e que nunca
seremos indiferentes
à nossa amada. Só que longe dos olhos, longe
do
coração! O mais belo pensamento corre o
perigo
de ser irremediavelmente esquecido quando
não
é escrito, assim como a amada pode nos
abandonar se não nos casamos com ela”.
Schopenhauer
Pensar é bom e rememorar também. Aqui,
neste Conselho, eu me casei com a cultura, definitivamente. Como antes já me
havia casado com a arte, a literatura.
Foi numa tarde de setembro de 1982 que eu me adentrei neste
Conselho, por indicação do Prof. Paulo Nunes, então Secretário de Cultura do Estado Piauí, sendo Presidente do Conselho Estadual de Cultura, o Prof. Benjamin do Rego Monteiro
Neto. Entre um e outro papel do Banco do Brasil, umas e outras contas a lançar
no “diário” ou no “caixa”, escapei do trabalho burocrático por algumas horas e
vim assumir uma suplência. Fiz o meu discurso de assunção com palavras
vibrantes, ousadas, prometendo trabalhar pela cultura piauiense, com aquela
disposição dos meus ainda 49 anos.
Pouco tempo depois, o Prof. Wilson de Andrade Brandão,
já Secretário de Cultura, vem à minha presença, numa sexta-feira, para
solicitar-me um artigo para o primeiro nº da revista Presença: - um trabalho de
crítica sobre literatura. No seu jeito meio autoritário, disse ante minha
primeira objeção:
- “Pois que o
faça no fim de semana, já que sua ocupação bancária não lhe dá folga”.
Fiz o artigo, com a profundidade que meus conhecimentos
permitiram, e tive a alegria de vê-lo estampado, com destaque, nas primeiras
páginas da revista Presença inaugural.
Hoje, vejo que, daquele tempo para cá, tenho empregado
minha vida útil com a cultura, a ponto de minha mulher dizer-me que eu só sei
fazer isto: ler, escrever, ouvir e conversar sobre as atividades culturais. Aposentei-me
do Banco do Brasil em 1983. Fui Conselheiro a partir de setembro de 1982 até
fevereiro de 1990, sendo que nos cinco primeiros anos desse período como
suplente sempre convocado a assumir e nos três últimos como titular. E, depois,
continuei como membro efetivo, representando a Assembléia Legislativa, de l4.6.1995
a 30.6.1998, de 29.2.2000 a 29.2.2003, e ainda de março de
Convivência mais proveitosa não poderia desejar,
sempre nos encontrando nas quintas-feiras ou quando fosse necessário,
discutindo os problemas que afligiam a cultura piauiense, desde os famosos
tombamentos de prédios para o Patrimônio, até o cuidado com a manutenção das
bibliotecas e arquivo público. Lembro-me de uma vez que fomos, eu e ele, Prof.
Paulo Nunes, visitar a Biblioteca Pública Estadual, porque soubemos estar em
péssimo estado de conservação, a fim solicitar do Governo a respectiva
recuperação dos estragos e os cuidados com a manutenção do acervo.
Foram tantas coisas que falávamos e escrevíamos que já
nem lembro da metade. Nas sessões, foram tantas as rememorações de datas
públicas, de palestras sobre homens ilustres da terra e de fora. Muitos
produtores de cultura e mestres em assuntos pertinentes foram convidados para
palestras aqui, lembro da magistral fala do poeta-diplomata Alberto da Costa e
Silva, dissertando sobre o patrimônio material e o patrimônio ideal das cidades
do Brasil e do mundo. Entidades culturais aqui trouxeram suas paixões e
problemas. Lembro-me, finalmente, da episódica tentativa de desmanche do
Conselho Estadual de Cultura pelo recém-governo do PT. Aí o Prof. Paulo Nunes, com seu jeito cordial
e sincero, mas decidido, luta pela manutenção do nosso statu quo de órgão
cultural independente. Levou o problema aos confrades da Academia Piauiense de
Letras, contactou com deputados do governo e da oposição e, finalmente,
conseguiu a situação de Conselho autônomo, na área da Secretaria de Educação e
Cultura.
Lembrando dessas lutas e de algumas
vitórias é que, hoje, falamos no palco deste Centro Cultural da Vermelha, justamente denominado “Prof.
Manoel Paulo Nunes”, pois é obra do seu trabalho incansável de criador
de espaços para o desenvolvimento cultural, assim como foi o revitalizador do
próprio Conselho Estadual de Cultura
e da revista Presença, ambos já
existentes, porém com desempenho inferior ao desejado. Hoje a Revista e o Conselho
são considerados os melhores e mais ativos do Brasil, com razão. Por isto e por
mais algumas coisas é que João Cláudio, nosso grande humorista, declarou à
imprensa que, daqueles tempos para cá, nós (da cultura) melhoramos, mas o Piauí
– não. A quem atribuir a culpa? Não nos cabe, neste momento, apontar este ou
aquele, isto ou aquilo.
Nesta manhã, neste simpático espaço,
diante do Presidente do Conselho Estadual de Cultura – lembro alguns
companheiros que por aqui passaram: o poeta Luiz Lopes Sobrinho, o historiador e
professor Camilo Filho, o médico Dr. Zenon Rocha, os professores Leopoldo
Portela, Noé Mendes de Oliveira e Walda Neiva de Moura Leite, todos de saudosa
memória, para citar apenas os falecidos. Os demais, sem dúvida, estão nomeados na
história do Conselho de Cultura que o Prof. Paulo Nunes solicitou que a
escrevesse – a mim, que nunca tinha sido historiador.
Durante aqueles anos, a convivência foi tão boa que
este “menino
quase
perdido” saiu quase a derramar lágrimas de saudade antecipada. Constato,
pois, que daqui saí mais rico de vivência e de tudo o que vi, ouvi e li, de
tudo que fiz e do que quis fazer e não pude.
Por tudo isto me considero pago. E
faria tudo de novo, se idade, força e saúde me houvessem ainda, desde que com
os dois por sustentáculos: – o Conselho Estadual de Cultura e o mestre Paulo
Nunes, crítico literário dos mais cultos e percucientes, uma personalidade das mais
íntegras que conheci.
__________
Conselho Estadual de Cultura – Centro
Cultural da Vermelha
Teresina, PI, 13 de
outubro de 2011.
FRANCISCO MIGUEL DE
MOURA
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