Auror
A vida não se compõe só de
afeto, mas
às
vezes do silêncio, da angústia, da dor.
Salomão Sousa
Há algum tempo, eu escrevi que Deus é
silencioso. Eis aqui mais uma crônica sobre o silêncio, sua falta ou seu
excesso, na sociedade. Em boa parte do dia e na maior parte da noite, que ele,
o silêncio, venha: Desejamos, pedimos, amamos.
- É verdade cristalina que a palavra é
prata, mas o silêncio é ouro. Se todos falássemos de uma só vez, por uma só
língua, já imaginaram, quem ouviria? Que desperdício?
Ninguém me venha tirar ilações
maliciosas dessa ideia inicial. Deus é silêncio e, se o universo parece
silencioso é que nele todas a vozes se unem para entrarem no silêncio divino,
projetado por Deus. E mesmo quando estamos dormindo, nosso universo (nosso
cérebro) passeia.
Calculo eu, com muita simplicidade e
humildemente, que os movimentos e a rolagem dos planetas, cometas, estrelas,
constelações e suas órbitas, tudo isto e tudo quando existe obedece a uma
entidade superior que jamais a entenderemos. Essa rolagem do Universo é feita
em música, se o nosso pequeno ouvido prestar bem atenção. O meu, de poeta,
consola-se com essa santa música universal. Não será de lá que tiramos nossas
canções, nossas alegrias, nossas danças e nosso amor? O cérebro humano é uma
célula infinitesimal do grande Universo. E jamais vamos conhecer o grande
Universo. Jamais! Aliás, quem disse que nos conhecemos a nós mesmos pelo
menos? E nossa mente, nosso espírito,
nossa alma?
Depois deste introito, podemos sair da
parte subjetiva desta crônica e entrar no fato, um caso que observei hoje, pela
manhã.
Uma senhora sem atavios – pareceu-me
de classe média - entra na igreja de sua paróquia. Vinha muito aflita. Pela
expressão do olhar, pelo apressado passo, levando um rosário na mão. Como de
comum, ao entrar fez a genuflexão e o “pelo sinal.” A igreja estava vazia. Ela
preferiu não ficar no corpo geral e procurou a sala do Santíssimo, reservada
para guardar as hóstias consagradas que sobraram da missa. Escolheu um lugar bem à frente. Ajoelha-se e
começa a rezar. De repente entra um cachorro.
- “Ora,
ora, eu não tenho cachorro”!
Olhou um pouco para trás e lá estava
sentada uma jovem, de boa aparência...
- “O animal deve ser dela” - pensa.
Mas nada perguntou. Os movimentos do
cachorro atrapalharam sua reza, de forma que demorou o dobro de tempo que tinha
pra rezar todo o seu terço, pedir graças a Deus e a sua mãe, a Virgem Maria.
Pedir-lhes perdão de suas culpas e solicitar uma grande graça. E paz.
- Mas, e aquele cachorro, meu Deus!
Ao fim das orações, a mulher
levanta-se, já se persignando, olha e vê o sacerdote que entrava. Este falou
com ela, deu-lhe as boas-vindas, desejando que voltasse sempre. A senhora teve
vontade, durante toda a reza, de levantar-se e falar com a moça. Mas... A
timidez, a dúvida... Deveria ou não?... Agora, a vontade era de falar com o
padre sobre aquele animal tão buliçoso. Olhando e apontando o cachorro, o padre
pergunta à senhora:
- É seu!
- Não, senhor!
O padre era daqueles que não têm
“papa” na língua. Voltou-se para a moça, apontou o bicho e perguntou:
- É seu?
- É – ela respondeu secamente.
- Mas, diga-me uma coisa, menina,
cachorro reza?
- Não. Por quê?
- Se ele não reza, por que o trouxe
para a igreja, uma casa de oração?
- Seu padre, ele é tão meu amigo que
não me larga, a gente dorme junto, come junto e anda junto...
- Sim, ele, ele é seu amigo. Mas será
também amigo daquela senhora que se distraiu com seus movimentos e quase não se
concentrou na reza?
- Não sei.
- Então, leve o seu cachorro pra casa
e nunca mais deixe que ele entre aqui. Até ele aprender a rezar com você, pois,
pelo que eu vi, você não rezou nada, apenas atrapalhou. Aqui não é lugar de
cachorro, tá, minha filha.
- Tá, seu padre!
E saiu resmungando que ele era muito
chato.
A mulher, assistindo tudo aquilo,
tentou não se intrometer e dizia consigo mesma que, se não fosse o bom padre
que ele é, eu nunca mais voltaria a esta igreja. Não existe só uma paróquia,
nesta cidade
- Hei de encontrar outra.
E ela tinha razão.
A dificuldade de sua concentração foi
aguçada pelo saracoteado do animal, juntamente com muitos latidos miúdos e
desagradáveis.
Os animais são nossos irmãos, precisam
ser tratados como são: criaturas de Deus, mas diferente do ser humana. Animal
doméstico fica em casa. Ou pode acompanhar o dono pelas ruas. Mas isto não
chega a ser aconselhável. Cachorros costumam ir, por onde vão, deixando
sujeiras como defecando no passeio – caminho dos cidadãos – e mijando nos
postes e até nas pernas de cavalheiros. Atesto que isto eu já vi. Se for
pecado, que Deus me perdoe e que os cachorros também me perdoem.
Mas eu não gosto deles.
Cachorros! Considerados os melhores amigos do homem”,
sabemos que eles, salvo os chamados “vira-latas”, não amam a liberdade, são uns
incondicionais aduladores nossos. E eu
não gosto de aduladores.
Osmundo Vergado, que permaneceu
calado, ouvindo minha conversa, confirma:
- Difícil é saber quando os cachorros
são amigos. Por isto, o melhor que fazemos é nos afastarmos. Desconfiar é bom.
Se o cachorro é amigo do seu dono, não significa que seja amigo dos estranhos,
ou mesmos dos amigos do seu dono.
Conversas SIênciosas, a ser editado brevemente pela Academia Piauiense de Letras.
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