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quarta-feira, 30 de julho de 2025

 

                                                                  Auror


                        A NECESSIDADE DO SILÊNCIO

                                        Francisco Miguel de Moura*

                                                            A vida não se compõe só de afeto, mas

                                                                    às vezes do silêncio, da angústia, da dor.

 

                                                                                                           Salomão Sousa

 

          Há algum tempo, eu escrevi que Deus é silencioso. Eis aqui mais uma crônica sobre o silêncio, sua falta ou seu excesso, na sociedade. Em boa parte do dia e na maior parte da noite, que ele, o silêncio, venha: Desejamos, pedimos, amamos.

          - É verdade cristalina que a palavra é prata, mas o silêncio é ouro. Se todos falássemos de uma só vez, por uma só língua, já imaginaram, quem ouviria? Que desperdício?

          Ninguém me venha tirar ilações maliciosas dessa ideia inicial. Deus é silêncio e, se o universo parece silencioso é que nele todas a vozes se unem para entrarem no silêncio divino, projetado por Deus. E mesmo quando estamos dormindo, nosso universo (nosso cérebro) passeia.

          Calculo eu, com muita simplicidade e humildemente, que os movimentos e a rolagem dos planetas, cometas, estrelas, constelações e suas órbitas, tudo isto e tudo quando existe obedece a uma entidade superior que jamais a entenderemos. Essa rolagem do Universo é feita em música, se o nosso pequeno ouvido prestar bem atenção. O meu, de poeta, consola-se com essa santa música universal. Não será de lá que tiramos nossas canções, nossas alegrias, nossas danças e nosso amor? O cérebro humano é uma célula infinitesimal do grande Universo. E jamais vamos conhecer o grande Universo. Jamais! Aliás, quem disse que nos conhecemos a nós mesmos pelo menos?  E nossa mente, nosso espírito, nossa alma?

          Depois deste introito, podemos sair da parte subjetiva desta crônica e entrar no fato, um caso que observei hoje, pela manhã.

          Uma senhora sem atavios – pareceu-me de classe média - entra na igreja de sua paróquia. Vinha muito aflita. Pela expressão do olhar, pelo apressado passo, levando um rosário na mão. Como de comum, ao entrar fez a genuflexão e o “pelo sinal.” A igreja estava vazia. Ela preferiu não ficar no corpo geral e procurou a sala do Santíssimo, reservada para guardar as hóstias consagradas que sobraram da missa.  Escolheu um lugar bem à frente. Ajoelha-se e começa a rezar. De repente entra um cachorro.

          - Ora, ora, eu não tenho cachorro”! 

          Olhou um pouco para trás e lá estava sentada uma jovem, de boa aparência...

          - “O animal deve ser dela” - pensa.

          Mas nada perguntou. Os movimentos do cachorro atrapalharam sua reza, de forma que demorou o dobro de tempo que tinha pra rezar todo o seu terço, pedir graças a Deus e a sua mãe, a Virgem Maria. Pedir-lhes perdão de suas culpas e solicitar uma grande graça. E paz.

          - Mas, e aquele cachorro, meu Deus!

          Ao fim das orações, a mulher levanta-se, já se persignando, olha e vê o sacerdote que entrava. Este falou com ela, deu-lhe as boas-vindas, desejando que voltasse sempre. A senhora teve vontade, durante toda a reza, de levantar-se e falar com a moça. Mas... A timidez, a dúvida... Deveria ou não?... Agora, a vontade era de falar com o padre sobre aquele animal tão buliçoso. Olhando e apontando o cachorro, o padre pergunta à senhora:

          - É seu!

          - Não, senhor!

          O padre era daqueles que não têm “papa” na língua. Voltou-se para a moça, apontou o bicho e perguntou:

          - É seu?

          - É – ela respondeu secamente.

          - Mas, diga-me uma coisa, menina, cachorro reza?

          - Não. Por quê?

          - Se ele não reza, por que o trouxe para a igreja, uma casa de oração?

          - Seu padre, ele é tão meu amigo que não me larga, a gente dorme junto, come junto e anda junto...

          - Sim, ele, ele é seu amigo. Mas será também amigo daquela senhora que se distraiu com seus movimentos e quase não se concentrou na reza?

          - Não sei.

          - Então, leve o seu cachorro pra casa e nunca mais deixe que ele entre aqui. Até ele aprender a rezar com você, pois, pelo que eu vi, você não rezou nada, apenas atrapalhou. Aqui não é lugar de cachorro, tá, minha filha.

          - Tá, seu padre!

          E saiu resmungando que ele era muito chato.

          A mulher, assistindo tudo aquilo, tentou não se intrometer e dizia consigo mesma que, se não fosse o bom padre que ele é, eu nunca mais voltaria a esta igreja. Não existe só uma paróquia, nesta cidade

          - Hei de encontrar outra.

          E ela tinha razão.

          A dificuldade de sua concentração foi aguçada pelo saracoteado do animal, juntamente com muitos latidos miúdos e desagradáveis.

          Os animais são nossos irmãos, precisam ser tratados como são: criaturas de Deus, mas diferente do ser humana. Animal doméstico fica em casa. Ou pode acompanhar o dono pelas ruas. Mas isto não chega a ser aconselhável. Cachorros costumam ir, por onde vão, deixando sujeiras como defecando no passeio – caminho dos cidadãos – e mijando nos postes e até nas pernas de cavalheiros. Atesto que isto eu já vi. Se for pecado, que Deus me perdoe e que os cachorros também me perdoem.

          Mas eu não gosto deles.

          Cachorros!  Considerados os melhores amigos do homem”, sabemos que eles, salvo os chamados “vira-latas”, não amam a liberdade, são uns incondicionais aduladores nossos.  E eu não gosto de aduladores.

          Osmundo Vergado, que permaneceu calado, ouvindo minha conversa, confirma:

          - Difícil é saber quando os cachorros são amigos. Por isto, o melhor que fazemos é nos afastarmos. Desconfiar é bom. Se o cachorro é amigo do seu dono, não significa que seja amigo dos estranhos, ou mesmos dos amigos do seu dono.

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 *Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro. Esta matéria faz parte do seu livro inédito

Conversas SIênciosas, a ser editado brevemente pela Academia Piauiense de Letras.

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