Sobre POEMAS OU/TONAIS
José Eduardo Pereira*
escreve:
Ainda bem que Francisco Miguel de Moura deu ao seu novo livro o título de “Poemas Ou/tonais” (Gráfica Júnior, 1991). Pode-se escolher a opção “poemas outonais” como a outra opção “poemas ou tonais”.
Escolho a segunda. Como disse ao poeta, recentemente, ainda remanesce em seu estro, já se aproximando dos sessenta anos, o vigor de uma poesia jovial, mais para primavera que para outono. Apesar dos poemas dedicados a Joyce, Filipe e Tainá, seus primeiros netos, que comumente dão a idéia de “meio para o fim”.
Francisco Miguel de Moura é um poeta maduro, sazonado com os estimuladores de uma alma muito sensível e de uma criatura muito vivida nas lutas da sobrevivência, que são marcantes e não raro cruentas.
Como lírico, é de uma sonoridade comovente. Veja-se o galante que emerge de suas construções passionais:
“não haja entre nós
roupa revelando
camisa de força
lua
vênus
enigma...
somente o corpo
e seus deslizamentos
(as almas sobrevoam
distantes
para manter o silêncio
sem perturbação)
juntos e unidos
não para sempre
para agora.” (p. 17)
Mas ele tem, também, muita revolta interior de um mundo que me parece não ser o que ele desejou, um dia, que fosse.
Eis alguns desabafos:
“solidão... tudo me falta
até a tristeza
e o que resiste me maltrata.” (p. 76)
“a emoção corta minha alma
lado a lado, a toda pressa
e o que dura é o duro ponto
onde tudo acaba (ou começa).” (p. 78)
“quem colhe sabe dos seus
gostos e desgostos
mas nada sabe dos rostos
perdidos na multidão
gravados na dor sem poema
sangrados no travo do não.” (p. 74)
Este novo livro de Francisco Miguel de Moura é enriquecido com ilustrações que são reproduções de desenhos abstracionistas do pintor José Lopes d’Almeida, português falecido em julho de 1989, em Lisboa, e com o qual ele manteve estreita amizade ao tempo em que residia, trabalhava e estudava em Salvador, Bahia.
Ele traz, também, diversos poemas seus traduzidos para outros idiomas (inglês, francês, espanhol, italiano) e que estão presentes em publicações de além-mar.
Mais interessado na linha de romances em que estreou em 1984, com “Os Estigmas”, e ressurgiu, em princípio deste ano, com “Laços de Poder”, falou-me o poeta que talvez seja este o seu último livro de poesias. Fascina-lhe a idéia de se tornar, de fato, um romancista.
Mesmo assim, este seu livro está longe de exprimir um fim de carreira poética. Poetas não abdicam da poesia. Ela faz parte de sua própria individualidade. Mormente em sendo, como ele é, poeta nato, fértil, robusto.
Saboreio, como quem colhe rosas, com solenidade, os frutos que amadureceram das sementes que os seus poemas espargiram no ar. E repito com ele:
“o poema é como o fruto que se apanha no mato sem olhar a
árvore, mastiga-se-lhe a polpa e joga fora o caroço.
eu queria o meu poema quase só semente, caindo longe das aves,
mas, quando chegassem as chuvas, ele abrisse para novos
desejos e nova floração.
o que vale no poema é o poder de matar a sede ao viandante,
não importa que o sabor lhe seja desagradável ou não.
e, ao poeta, o importante é ser caroço.”
E isto ele é.
(Publicado no jornal “DIÁRIO DO POVO”, Teresina, 28/29 de julho de 1991.)
____________________
*José Eduardo Pereira é advogado, jornalista e membro da Academia Piauiense de Letras.
Escolho a segunda. Como disse ao poeta, recentemente, ainda remanesce em seu estro, já se aproximando dos sessenta anos, o vigor de uma poesia jovial, mais para primavera que para outono. Apesar dos poemas dedicados a Joyce, Filipe e Tainá, seus primeiros netos, que comumente dão a idéia de “meio para o fim”.
Francisco Miguel de Moura é um poeta maduro, sazonado com os estimuladores de uma alma muito sensível e de uma criatura muito vivida nas lutas da sobrevivência, que são marcantes e não raro cruentas.
Como lírico, é de uma sonoridade comovente. Veja-se o galante que emerge de suas construções passionais:
“não haja entre nós
roupa revelando
camisa de força
lua
vênus
enigma...
somente o corpo
e seus deslizamentos
(as almas sobrevoam
distantes
para manter o silêncio
sem perturbação)
juntos e unidos
não para sempre
para agora.” (p. 17)
Mas ele tem, também, muita revolta interior de um mundo que me parece não ser o que ele desejou, um dia, que fosse.
Eis alguns desabafos:
“solidão... tudo me falta
até a tristeza
e o que resiste me maltrata.” (p. 76)
“a emoção corta minha alma
lado a lado, a toda pressa
e o que dura é o duro ponto
onde tudo acaba (ou começa).” (p. 78)
“quem colhe sabe dos seus
gostos e desgostos
mas nada sabe dos rostos
perdidos na multidão
gravados na dor sem poema
sangrados no travo do não.” (p. 74)
Este novo livro de Francisco Miguel de Moura é enriquecido com ilustrações que são reproduções de desenhos abstracionistas do pintor José Lopes d’Almeida, português falecido em julho de 1989, em Lisboa, e com o qual ele manteve estreita amizade ao tempo em que residia, trabalhava e estudava em Salvador, Bahia.
Ele traz, também, diversos poemas seus traduzidos para outros idiomas (inglês, francês, espanhol, italiano) e que estão presentes em publicações de além-mar.
Mais interessado na linha de romances em que estreou em 1984, com “Os Estigmas”, e ressurgiu, em princípio deste ano, com “Laços de Poder”, falou-me o poeta que talvez seja este o seu último livro de poesias. Fascina-lhe a idéia de se tornar, de fato, um romancista.
Mesmo assim, este seu livro está longe de exprimir um fim de carreira poética. Poetas não abdicam da poesia. Ela faz parte de sua própria individualidade. Mormente em sendo, como ele é, poeta nato, fértil, robusto.
Saboreio, como quem colhe rosas, com solenidade, os frutos que amadureceram das sementes que os seus poemas espargiram no ar. E repito com ele:
“o poema é como o fruto que se apanha no mato sem olhar a
árvore, mastiga-se-lhe a polpa e joga fora o caroço.
eu queria o meu poema quase só semente, caindo longe das aves,
mas, quando chegassem as chuvas, ele abrisse para novos
desejos e nova floração.
o que vale no poema é o poder de matar a sede ao viandante,
não importa que o sabor lhe seja desagradável ou não.
e, ao poeta, o importante é ser caroço.”
E isto ele é.
(Publicado no jornal “DIÁRIO DO POVO”, Teresina, 28/29 de julho de 1991.)
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*José Eduardo Pereira é advogado, jornalista e membro da Academia Piauiense de Letras.
Um comentário:
“solidão... tudo me falta até a tristeza e o que resiste me maltrata.”
Muito lindo isso... vc tem um coraçãozinho assim machucado? Ou é só essa sua alma de poeta que sofre as dores e angústia de amores?
Segundo José Eduardo Pereira, vc tem também muita revolta interior contra um mundo que está longe de ser o que vc desejou...
Seja como for, a combinação de tudo forjou um homem sensível, um poeta consistente e maduro.
Beijos, poeta.
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